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[Crônica] – Conheçam o meu super-herói

por Caroll Freitas
7 minutos de leitura

Conheçam o meu super-herói

Tinha estrelas nos olhos, um jeito de herói. Era mais forte e veloz, que qualquer mocinho de cowboy

Não pisa na linha! Era até bonito de ver, um homem bem apessoado (não é porque era meu pai, mas o cara era gato) e uma garotinha de sete anos desesperada para não pisar nas linhas e riscos que estivessem no chão.

Essa era nossa brincadeira sempre que ele me buscava na escola. Quem errasse tinha que pagar prenda: passa por algum mico, cantar uma música ridícula, levar um beliscão ou qualquer coisa do tipo.

E tudo ali, no meio da rua. As pessoas passavam e ficavam admiradas, e a gente nem aí. Aquele era nosso mundo, nosso momento. Não importa quantas pessoas estivessem ao nosso redor, no nosso planeta, só cabíamos nós dois.

Ele trabalhava dia sim, outro não, e toda folga fazia questão de me buscar na escola. Fazia questão de participar da minha vida escolar. Ele fazia questão de ser pai. Meu Po’pai!

Francisco de Freitas Soares, esse é o nome do primeiro e maior amor da minha vida.

Foi um exemplo de homem e espero que se torne um exemplo de anjo. Cresci vendo o pai ser um amigo leal, um marido fiel, um irmão que amava os seus acima de tudo, um filho que se dedicou à família, um profissional responsável e eficiente, um homem honestíssimo. Ele era um ser humano que se preocupava e se doava às outras pessoas.

Era só alguém falar que estava desempregado ou passando por algum apuro que o pai já ficava doido. Perdi as contas de quantas vezes o vi ajudando alguém encontrar um emprego, dando conselhos, ouvindo e sendo nada menos do que humano. Empatia, ele sabia o que isso significava e talvez por isso Deus o tenha poupado de mais sofrimento.

Quando estávamos juntos, ele me preparava para a vida, da maneira mais carinhosa e doce que você possa imaginar. De todos os papéis que o vi desenvolver com maestria, o de pai era o que ele foi mais bem preparado. Deus o criou exatamente para isso. Eu tenho certeza.

Um homem humilde, com pouco estudo, mas com uma inteligência e cultura absurdas. Fazia questão de que meus irmãos e eu conhecêssemos de tudo um pouco. Conheci o Palácio das Artes com ele (nem sei se ele entendia muito de arte), mas, nesse dia, fez questão de olhar obra por obra e me apresentar cada cantinho daquele lugar.

Certa vez, foi fazer um bico como segurança de uma exposição no Festival de Inverno de Ouro Preto. Voltou cheio de catálogos, fotos e documentos, e fez questão de mostrar e explicar tim tim por tim tim.

Outra vez, chegou em casa com um catálogo sobre Oscar Niemeyer, um dos principais arquitetos do Brasil. Alguém ia jogar fora o material e ele achou um absurdo. Me chamou, leu e explicou sobre todas as obras e os motivos pelos quais era tão importante ter um cara assim no Brasil.

Quando eu chegava da escola, a primeira coisa que ele perguntava era: “Como foi a aula?”. E, quando comecei a trabalhar, a pergunta mudou para: “Como foi seu dia?”. Se tivesse tido algum problema, nem adiantava eu tentar mentir. Era como se ele lesse a minha mente, pois sabia exatamente o que estava acontecendo antes que eu precisasse falar algo.

Demorei um pouco para escrever uma crônica sobre ele. Sempre ficava muito triste, e eu não queria assim. Quero que todos que leiam este texto tenham pelo menos um pouquinho de noção do cara SEN-SA-CIO-NAL que ele foi.

Hoje, dia 2 de maio, seria seu aniversário. Hoje, eu chegaria com o seu presente, ou então faríamos alguma surpresa para ele. Na verdade, nem seria surpresa, porque ele já ficava esperando, igual menino esperando o primeiro pedaço do bolo.

No seu último aniversário, eu comprei uma camisa vermelha e foi a última roupa que eu o vi usar em vida. Quando cheguei em casa com o presente, ele abriu um sorrisão, mas sem nenhuma sombra de surpresa, porque ele já estava esperando.

Ele pegou a roupa, vestiu e saiu desfilando pela sala. Em segundos, nossa família estava toda rindo e feliz, porque ele era assim: onde ele estava tinha alegria, ele tinha o dom de espalhar amor.

A última vez que estive com ele foi no Dia dos Pais, por ironia do destino louco, esse foi o nosso último dia juntos. E mano, que dia! Essa foi a última vez que fiz carinho na sua cabeça e ele sorriu de um jeito tão vivo, tão menino, que eu tive certeza que ele jamais morreria.

Afinal, os super-heróis nunca morrem, eles saem de cena e voltam no momento mais oportuno, surpreendendo os fãs. E mesmo quando estão fora de cena, eles continuam protegendo e guardando os seus amores.

E vou contar um segredo para vocês, um super-herói igual esse Francisco, meu amadíssimo Po’pai, nem a Marvel e a DC Comics conseguiram inventar.

Veja mais crônicas: 

Menina segura o vestido

Sonho de menina apaixonada

A impossibilidade do abraço

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1 comentário

Hernane 4 de janeiro de 2020 - 17:37

Linda sua homenagem ao seu pai ele com certeza está lá de cima muito orgulhoso de vc pelas suas palavras e por esse amor que fica bem definido atravéz das suas palavras.
👏👏👏

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