Morte como despertar
***Álamo Chaves, presidente do Conselho Regional de Biblioteconomia 6ª Região de Minas Gerais e Espírito Santo (CRB-6)
“No dia seguinte ninguém morreu”. A frase de abertura de “As intermitências da morte”, de José Saramago, deixa claro o tom do romance satírico do Nobel de Literatura. Em um país fictício que vive sob um regime monárquico constitucional, o desaparecimento inexplicável da morte implica em convulsões políticas, sociais, econômicas, religiosas e filosóficas, deixando Estado e Igreja sem saber o que fazer.
O Brasil de 2021, por sua vez, padece de uma situação bem semelhante à criada pelo escritor português, mas a catástrofe vivida pelos brasileiros é decorrente, justamente, da presença massiva da morte.
Se, em 2019, antes da pandemia do novo coronavírus ser registrada, o número de óbitos no país foi de 1.317.292, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); em 2020, foi mais de 1,4 milhão, conforme o levantamento da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil). Infelizmente, esse número pode crescer ainda mais até o fim do ano.
A morte, decerto, é – e sempre foi – um mistério para a humanidade. Há tempos em busca de respostas, artistas, filósofos e escritores tentam abordar esse fenômeno tão antigo que, nas palavras do escritor Paulo Coelho, “talvez seja o segredo desta vida”.
No clássico “Guerra e Paz”, por exemplo, Leon Tolstói aborda o quanto é insensato colocar valores político-partidários e religiosos acima da própria vida humana. Contudo, em uníssona discordância, Machado de Assis e Goethe enxergaram o autoextermínio como solução, sendo um recurso legítimo para lidar com as dores de um coração partido – nas obras “A mão e a luva” e “Os sofrimentos do jovem Werther”, respectivamente.
Luigi Pirandello, por sua vez, não concordava com essa ideia romântica de autodestruição. A angústia do protagonista de “O falecido Matias Pascal” deixa implícito que a morte, enquanto fuga de uma vida caótica, não deve ser considerada, jamais, como solução.
Nelson Rodrigues denunciou, sem pudor algum, que o falecimento beatifica as pessoas – isso ficou bem claro na peça “Boca de ouro”, quando a ex-amante de um violento bicheiro absolve e vitimiza o ex-companheiro após saber que ele havia morrido.
Gabriel Garcia Márquez prefere seguir outra linha de raciocínio e apresenta em “Crônica de uma morte anunciada” uma crítica perfeita ao egoísmo e à inércia das pessoas, deixando claro que o fim – mesmo que trágico – é o destino de todos.
Entre os livros infantis, diversos autores abordaram a temática de maneira lúdica e natural, como Hellen Cristina Ramos Queiroz em “A abelhinha Poli’, Paloma Valdivia em “É assim”, Maria Teresa Maia Gonzalez em “O meu avô foi para o céu” e Isabel Minhós Martins em “Para onde vamos quando desaparecemos?”.
Por mais que seja doloroso lidar com a perda, é válido recorrer ao quinto livro de “Guerra e Paz”, quando o Príncipe André, ferido e já padecendo, sonhou que estava morrendo. No sonho, no momento exato em que morria, despertou e disse a si mesmo: “Sim, era a morte. Estava morto e despertei. Sim, a morte é um despertar”.
O texto é uma gentil contribuição do Presidente do Conselho Regional de Biblioteconomia 6º região, Álamo Chaves.
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