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[Conto] Pela família

por Josi Gonçalves
4 minutos de leitura

Pela família

Mariana parou no meio da colina e olhou para baixo.  Avaliou o tanto que já tinha caminhado e percebeu que estava ainda na metade do seu percurso.

No meio da montanha dava para ver ao longe o vilarejo. Meia dúzia de casinhas simples, próximas umas das outras, com as suas vacas leiteiras calmas, mais calmas do que aquele dia.

O céu estava totalmente azul, sem nenhuma nuvem, e o sol deixava as colinas com um leve tom amarelado parecia ao longe que todas serviam de plantação de capim dourado.

O vento batia forte, espantava seus cabelos e, não fosse pelas enormes manchas de suor que rodeavam suas axilas, suas roupas estariam impecáveis. Seu vestido longo não tinha um amassado sequer que o fizesse parecer menos que perfeito.

Enquanto descansava ela olhou para sua própria casa lá embaixo, no vale, sem dúvida era uma casa linda. Sua cerca branca, seu jardim, as hortênsias multicoloridas da sua mãe e, claro, as duas vacas leiteiras da família, de onde provinha quase toda a renda que tinham. Mariana achou que viu seu pai de relance, com os cotovelos apoiados na cerca olhar perdido analisando as vaquinhas.

Há tempos seus pais andavam assim e ela sabia bem o motivo, o dinheiro acabara, a plantação não ia bem e o leite estava cada vez mais escasso.  Se não havia leite, não havia como sequer comprar outra vaca para aumentar a produção. Seus pais estavam em um ciclo de pobreza e tristeza com o qual ela não sabia lidar. Já tinha percebido como a comida e os sorrisos estavam cada vez mais parcos na pequena fazenda.

Respirou fundo e retomou seu caminho para o alto da serra.  Mais 20 minutos de caminhada e ela chegou ao topo, parando em frente à densa floresta negra que se esparramava à sua frente. Floresta essa, na qual ela nunca passara nem perto devido às lendas da região.  

Notou com estranheza que o vento não soprava mais no topo da colina, o que era estranho, visto que era para ventar com ainda mais força. Seu olhar não conseguia desvendar o que havia dentro da floresta escura.  Era densa, com certo magnetismo, como um imã que a atraia, incitava a entrar em suas entranhas. Mais uma vez respirou fundo lembrando-se das conversas que ouvira no vilarejo.

Desde que se entendia por gente sabia que ela envolvia muitos mistérios e que os moradores não a adentravam nunca. Histórias sobre antigos moradores que chegaram perto demais e não retornaram e nem ao menos foram encontrados.

Há alguns dias uma história em particular chamou-lhe a atenção. Ouviu atentamente os colegas contarem que o que habitava a floresta era uma força maligna e muito antiga, que levava principalmente as moças rumo ao desaparecimento eterno. Mas que em troca da alma ao que ali habitava, um desejo lhes era concedido.

E foi este último fato lhe chamou especial atenção e martelou em sua mente por dias.  E ali estava Mariana, com o coração acelerado e o pavor nos olhos que encaravam a negritude em meio às árvores grossas.

Um ar gelado exalava lá de dentro, mas nada disso era capaz de diminuir a atração que ela sentia. Tocou com as mãos em um dos troncos e em sua mente o desejo. Em seguida caminhou com passos lentos até desaparecer completamente no bosque escuro.

Alguns meses após o desaparecimento de Mariana, sem deixar rastros, seu pai recebeu uma correspondência pela primeira vez na vida. Na carta lhe contavam que uma tia, que há muito havia saído do vilarejo, falecera deixando toda sua fortuna e bens de herança para ele, seu único parente vivo.

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