Leandro Bertoldo Silva e a incrível arte de semear ideias literárias
O mineiro Leandro Bertoldo Silva é o nosso autor do mês de abril de 2019
Disseminar, espalhar, plantar, os sinônimos de semear nunca foram tão pertinentes quando se trata do escritor mineiro Leandro Bertoldo Silva. Dos frutos colhidos, quem tem a agradecer são os deuses da literatura.
A história de Leandro com a leitura é daquelas à moda antiga, com a receita infalível do incentivo familiar.
“Meus pais sempre incentivaram a leitura dentro de casa, sempre compraram livros para mim e meus irmãos. Lia-os de cima de um pé de ameixa na casa de minha avó, que eu transformei em biblioteca, pois fazia dos galhos dessa árvore verdadeiras estantes naturais repletas de livros que eu ia ganhando e colecionando. Lá passava a maior parte do meu tempo,” conta Leandro.
Inspirado pela leitura de clássicos como “Cinderela”, livros da Coleção Vaga-Lume e autores como José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Machado de Assis, Drummond, Clarice e Fernando Sabino, o desejo de escrever e eternizar suas próprias histórias foi só uma questão de tempo.
“Eu era muito novo e não tinha uma formulação muito clara do que aquilo representava, mas aqueles escritores me ensinavam muito, como ensinam até hoje. E entre as muitas coisas que eles me ensinaram está o fato de eu querer profundamente estar entre eles, fazendo parte do mundo das histórias, dos poemas, dos romances, dos contos. Eu também queria escrever livros e inventar histórias”, conta.
Suas histórias carregam o tom poético, leve e que reverberam para muito além da última página. Leandro afirma que não costuma seguir um ritual de escrita ou processo criativo, mas destaca em suas obras uma tendência memorialista.
“O escritor Bartolomeu Campos Queirós diz muito bem que “a memória é um espaço interno onde a fantasia conversa com a realidade”. É exatamente assim comigo. Toda história, seja um conto, um romance ou até um pequeno haicai parte de uma memória para depois ganhar outros sentidos e significados. No meu caso é a memória que está sempre presente.”
Entre os diversos poemas e contos saídos do fundo da memória, quatro livros já foram publicados: Entrelinhas Contos mínimos, Janelas da Alma: uma tempestade íntima, um conflito, um retorno, Relicário Pessoal – Haicais e o primeiro livro infantil O menino que aprendeu a imaginar, que será lançado no primeiro semestre deste ano. A grande novidade é que todos os livros são produzidos, publicados, distribuídos e vendidos pelo próprio autor.
Todo o processo editorial está literalmente nas mãos do autor, que optou em ser um escritor independente. Amante da literatura, Bertoldo recusou diversas propostas de grandes editoras e no “faça você mesmo”, criou seu próprio método de publicação, por meio do projeto “Alforria Literária”, uma alternativa diferente, barata e sustentável de publicação.
É um selo editorial dedicado a publicação de livros. Surgiu da necessidade de gerenciar a venda dos seus livros e oferecer uma alternativa mais barata para os leitores. A demanda pelo livro físico e a compra direta das mãos do autor era latente, como conta Leandro.
“Durante o ano de 2017 e já início de 2018, recebi alguns contatos de leitores interessados em adquirirem os meus livros. Curioso que todas as pessoas queriam comprar os livros diretamente comigo, embora estejam disponíveis para venda em plataformas online. Isso é totalmente compreensível, uma vez que no final o livro sai a um preço muito alto para o leitor.
Em uma sacada genial de autopublicação, aliada a uma consciência de sustentabilidade, nasceu a Paula Britto.
Paula Britto – A arte da impressão sustentável
O diferencial das publicações da Alforria Literária é a produção totalmente manual feita em uma máquina especial, própria para fazer livros, chamada “Paula Brito”.
O nome feminino é uma homenagem a Francisco de Paula Brito, fundador da “Marmota Fluminense”, uma livraria no Rio de Janeiro, do século XlX, onde Machado de Assis teria iniciado sua carreira literária.
Feita de madeira de Ipê reaproveitada, a máquina de fazer livros ganhou vida nas mãos de Egídio Souza, um luthier da cidade que comprou a idade e desenvolveu um modelo pioneiro de publicação sustentável no Brasil.
Os livros produzidos na “Paula Brito” são feitos em papel offset nos tamanhos 14,8 x 21 cm – 90g. As páginas são impressas no processo normal, via computador.
O primeiro toque especial vem nas capas confeccionadas manualmente com papel personalizado com fibras de material orgânico e tinta natural. A finalização das capas fica por conta da esposa de Bertoldo, a artesã Geane Matos. A partir daqui a máquina entra em ação para finalizar o livro, unindo o miolo a capa. “Utilizando essa matéria-prima, a Alforria Literária afirma seu compromisso junto ao meio ambiente, lembrando que a reciclagem e a sustentabilidade contribuem para a geração de empregos, a redução do lixo e a qualidade de vida desta e das futuras gerações”, como afirma Bertoldo.
Veja como a Paula Britto funciona
Todos os livros do escritor e projetos de autopublicação são produzidos na máquina.
A vida no Vale do Jequitinhonha
Há sete anos, Leandro Bertoldo Silva deixou a capital mineira para viver na cidade de Padre Paraíso, no Vale do Jequitinhonha, interior de Minas Gerais.
A região conhecida pela riqueza no artesanato, e a carência de uma população que sofre com a seca e o descaso das autoridades, ganhou muito mais que apenas mais um habitante, ganhou também um incentivador de uma arte que, assim como o teatro e o cinema, é praticamente ausente na região, a literatura.
Leandro desenvolve diversos projetos de incentivo à leitura e escrita, e as artes na região por meio do projeto Árvore das Letras, criado em 2014.
Curso Vivenciando a Linguagem, Leitura e Escrita
É um curso pago, onde os alunos desenvolvem habilidades de escrita criativa. O curso auxilia não apenas pessoas que desejam colocar no papel suas histórias, como também serve como preparativo para a redação do ENEM. Mais de 100 pessoas já passaram pelo projeto.

Projeto Árvore das Letras / Divulgação
Grupo de leitura dramática
O projeto faz parte do curso “Vivenciando a linguagem, leitura e escrita”, que abarca pessoas de diferentes idades interessadas em ler e interpretar obras de grandes autores da literatura.
“Privilegio nas leituras autores nacionais como forma de valorizar a nossa literatura clássica, moderna e em língua portuguesa. Já trabalhamos com Machado de Assis, através dos contos “Missa do Galo” e “Um apólogo”; Fernando Sabino, com o conto “O homem nu”; Murilo Rubião, com “O pirotécnico Zacarias”; contos recolhidos de Alaíde Lisboa, com “O espelho, a bota e a rosa”; a história “O pescador, o anel e o rei”, da contadora de histórias Bia Bedran e “A felicidade está dentro de nós”, de Isaura Caminhas Fasciani”, conta Leandro.
Whatsapp “Amigos Leitores”
É um grupo para troca de informação literárias e leitura coletiva. A ideia é parceria com o Blog Mudei de Ideia, da Ana Paula Cândido. Leandro distribui gratuitamente, também via Whatsapp, por meio da lista de distribuição “Mais literatura”, pequenas pílulas literárias com novidades e dicas de conteúdo literário produzido por outras fontes, inclusive do LiteralMente,Uai!
Oficinas de artes, literatura para adultos e crianças
Em parceria com a esposa Geane, o projeto Árvore das Letras oferece oficinas e cursos de pequena duração voltados para as artes em geral, pintura e découpage, decoração de caixas, entre outros.
Livros
Em meio a uma presença cada vez mais marcante das tecnologias na vida atual, e os índices cada vez menores de leitores, Leandro têm uma visão positiva na batalha de atenção entre os livros e as tecnologias. “Talvez a questão não seja disputar, mas harmonizar uma coisa com a outra. As histórias precisam ser lidas e se a tecnologia pode ajudar é melhor inseri-la no processo.”
Fato é que o brasileiro lê cada vez menos e as livrarias em decadência acabam fechando as portas. Isso faz com que o processo de fazer o brasileiro ler mais se torna cada vez mais árduo, contudo, não menos prazeroso.
“Passa muito pelo incentivo em casa, como aconteceu comigo e pela escola, mas não da forma tradicional e comumente usada. Acho um verdadeiro desserviço quando os professores pedem os alunos para lerem um livro com o objetivo de aplicarem uma prova escrita. Não se dá prova de livros! Isso mais desconstrói um leitor do que provoca o efeito desejado que é formá-lo. Técnicas e didáticas podem até existir, mas é preciso que o prazer das histórias, de se descobrir um mundo diferente do seu sobreponha à técnica. O ser humano é curioso e desbravador por natureza. Se conseguirmos atingir esse nível de curiosidade e prazer sem a obrigação, certamente as pessoas lerão mais. Não é fácil, mas é possível”, explica.
Leandro Bertoldo Silva faz a diferença para literatura nacional e o faz com prazer!
“Sou feliz porque sou escritor; sou feliz porque também estou nessa árvore e, principalmente, sou feliz porque hoje faço para as pessoas o que fizeram para mim: oferecer a chance de conhecer um mundo capaz de transformar para o bem a realidade de alguém. Este é o meu propósito na vida.”
Algumas curiosidades sobre o autor
Se pudesse indicar um livro para quem nunca leu por prazer, qual seria?
A Palavra Mágica, de Moacyr Scliar.
Qual livro você mais leu?
Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, e ainda o lerei muitas outras vezes, pois é fascinante a coragem desse livro e é uma verdadeira aula de estrutura narrativa deixada por Machado.
Cite um livro que te marcou.
O Encontro Marcado, de Fernando Sabino… Marcou-me literalmente!
Qual autor/autora te inspira
Mia Couto, para mim, é sem dúvida um dos autores mais importantes e talentosos da literatura contemporânea em língua portuguesa. Ele diz que um livro é bom quando ele te empurra para a escrita. Os livros do Mia, todos eles, fazem isso comigo.
Ler é…
Se descobrir pelos olhos e pela imaginação.
Escrever é…
Existir. Escrevemos porque estamos vivos e temos a necessidade de contar histórias.
Ser escritor hoje no Brasil significa?
Ter coragem de buscar por novas possibilidades.

Livros Leandro Bertoldo Silva
Conheça seus livros: Todos foram publicados ou reeditados em 2018.
Entrelinhas Contos Mínimos: Com pouco mais de 120 páginas, a obra, que já está na segunda edição, traz uma coletânea de minicontos que retratam diversos momentos e situações diárias. Leia a resenha aqui.
Janelas das Alma: uma tempestade íntima, um conflito, um retorno: É um romance que conta a história de Jorge, um jovem publicitário que vive as pressões que a vida, implacavelmente, impõe a todos: a necessidade quase obrigatória de sermos perfeitos, como bom filho, bom pai, boa esposa, bom amigo, bom profissional, bom tudo! Amargurado e cansado, resolve sair em uma viagem de férias que não tirava há muito tempo, para aliviar sua angústia. No caminho do aeroporto, se depara com um acontecimento que mudará completamente a sua vida. Leia a resenha aqui.
Relicário pessoal – haicais: Em 90 páginas, Leandro apresenta pequenas historinhas em formato de haicais. Histórias leves e originais em um livro fascinante. Leia a resenha aqui.
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Confira outras feras que já passaram por aqui!
2 comentários
Atualmente eu não acho que a leitura esteja sendo praticada pelos jovens, com a globalização e tkdoesse lance de tecnologia, idéias de incentivo são sempre bem vindas, eu estou me formando como profissional da educação, e quero sempre ter a literarura como minha aliada, pois sei que é um recurso didático de aprendizagem e também um passatempo incrivel, os livros me salvaram, literalmente e não posso deixar de agradecê-los por me acolher tão bem, dessa forma quero passar pra frente o que foi ofertado ❤️
Adorei a entrevista, tem muitos pontos positivos que vou aderir
Parabéns Leandro! Você é um multiplicador de sonhos e idéias. Muito mais sucesso está por vir. Abraço