As Sombras Móveis: Atualidades do Cinema Mudo – Luiz Nazário
O livro As Sombras Móveis: Atualidades do Cinema Mudo de Luiz Nazário, professor doutor da faculdade de Belas Artes da UFMG, foi publicado pela editora UFMG 1999. A obra é uma reunião de ensaios que tem como objeto os primeiros filmes produzidos, ainda na ausência da captação do som.
A leitura é interessante, fluída e acessível – não é um livro que se restringe a profissionais mais especializadas em discussão do cinema. Nazário exalta o filme mudo em sua forma, tomando-o como uma arte autônoma do cinema falado que não teria se tornado obsoleta após a tecnologia incluir o som nas produções. O autor ressalta a importância do cinema mudo, o primeiro cinema, na constituição da linguagem cinematográfica.
São apresentados no livro diversos exemplos de filmes mudos, o que acredito ser um dos pontos altos da leitura pois nos permite conhecer produções pouco acessíveis. Nazário aponta a riqueza desses filmes, que não se perde com o tempo.
Vários são os assuntos abordados pelos ensaios presentes no livro: O cinema soviético e a slapstick comedy são alguns deles. Eu gostaria de me deter, porém, em um dos temas discutidos pelo livro que tem uma grande interface com a sociedade (o “lugar” em que o cinema toca a vida, que é o que move O sétimo blog): o expressionismo alemão.
O expressionismo é um movimento vanguardista que surgiu na Alemanha, nos anos 1920. É marcado pelo subjetivo que transforma a realidade, que a molda de diferentes formas, que a absorve e reflete em distintas construções e mecanismos.
É uma visão transformada pelos sentidos, uma janela pela qual se vê não as coisas como são, pura e simplesmente: o cenário, os objetos e até os personagens adquirem novas significações, tendo sua aparência física modificada.
Um bom modo de exemplificar o expressionismo em ação é a angústia, que no quadro “O Grito” de Edvard Munch (artista pioneiro do expressionismo e que muito influenciou o campo) se apresenta não só como um sentimento, mas distorce toda a paisagem.
Características gerais:
Jogo de sombras, distorção, expressão, maquiagem e atuação exageradas, cenários pintados, contraste de formas, uma metafísica que se relaciona com uma representação dos objetos segundo uma lógica além do físico (lógica essa que muitas vezes se correlaciona com o estado de espírito do personagem) entre outros.
Contexto histórico:
O expressionismo se desenvolve em um momento pós primeira guerra mundial, no começo do século XX, quando a Alemanha passava por uma onda de industrialização.
“Como o país industrializava-se rapidamente dentro de estruturas sociais muito conservadoras, os jovens artistas reagiam pelo exagero e a deformação contra códigos morais anacrônicos e repressivos. A ordem do mundo afigurava-se diabólica aos artistas mais sensíveis” (NÁZARIO, As sombras móveis, p. 150)
Esse contexto pode explicar o tom sombrio que muitas vezes é adotado pelo expressionismo, e a presença constante do mal e do monstruoso, nos filmes do gênero. Podemos ver aqui a interferência do social na sétima arte.
Artistas importantes:
Além de Munch (um importante e pioneiro representante do expressionismo, já citado acima) o movimento sofreu influências de Vincent Van Gogh.
“Mais próximo do expressionismo, Vincent Van Gogh criou plantas que expressavam seu atormentado mundo interior” (Názario, As sombras móveis, p.150)
Principais diretores e obras:
Alguns dos principais diretores do período, comentados por Nazário, são F. Murnau e Robert Wiene.
Robert Wiene:
O exemplo mais célebre do cinema expressionista é o filme “O Gabinete do Dr. Caligari” (Das Cabinet des Dr. Caligari, Robert Wiene,1920) do diretor Robert Wiene. No filme, as características expressionistas são exploradas de forma plena, a maquiagem, a iluminação e a distorção do cenário se unem no que parece uma pintura em movimento.
“Esta estilização de todos os elementos dramáticos do filme, será desde então, designada por caligarismo — expressionismo cinematográfico levado às últimas consequências.” (Názario, pg. 160)
F. Murnau :
Dois dos principais filmes de Murnau são: Fausto (Faust — Eine deutsche Volkssag, F.W. Murnau,1926) e Nosferatu (Nosferatu,eine Symphonie des Grauens, F.W. Murnau,1922). O primeiro é baseado no clássico homônimo de Goethe, em que um homem faz um pacto com um ser demoníaco chamado Mefistófeles, e o segundo é a primeira adaptação de “O Drácula” de Bram Stoker . Esses filmes
“não são expressionistas em seu conjunto. Apenas alguns personagens como (…)Nosferatu,(…) e Mefistófeles surgiam como totalidades expressionistas (…)”(Názario, p.170)
A caracterização dos personagens se faz com elementos como a desproporcionalidade das mãos de Nosferatu, sua sombra que em determinados momentos do filme o anuncia, antecipando-o, causando tensão, demonstrando a natureza obscura do personagem. O temível Mefistófeles também ganha uma aparência sombria, com traços deformados, que se correspondem a sua natureza demoníaca, e um manto negro infindável.
“Murnau cria um Menfistófeles, fantástico que chega a cobrir a cidade com seu manto negro, a fim de produzir, com a sombra, a peste que extermina populações.”(Názario,170)
Além de Mefistófeles, no filme Fausto, gostaria de destacar a personalidade ambígua do personagem Fausto, que contém em seu interior tanto o mau quanto o bem. Essa característica é recorrente em filmes expressionistas complexificando os personagens, retirando-os do papel simples em que eles se posicionam de acordo com a dualidade bom/mau.
O expressionismo foi um movimento da arte que deixou várias obras primas e que continua exercendo influências no século XXI. Confira o livro de Nazário e se informe mais sobre o expressionismo e outras experiências no cinema mudo.
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