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[Resenha] – Apenas uma garota – Meredith Russo

por Elis Rouse
5 minutos de leitura

Apenas uma garota – Meredith Russo

A novela “A Força do querer” da TV Globo, foi sem dúvida um dos grandes sucessos televisivos dos últimos anos. Por abordar questões atuais como o tráfico de drogas, vício em jogar e homofobia, a autora Glória Perez, foi muito feliz também ao apresentar de maneira mais profunda a transexualidade. Por meio de uma interpretação impecável da atriz Carol Dantas, acompanhamos alguns anos da vida da personagem Ivana, a angústia de não se aceitar no corpo feminino, o peso da expectativa familiar, a descoberta da transexualidade e por fim, a transição. Um processo doloroso, tanto para ela, quanto para os familiares e amigos. A cena em que Ivana se abre com a mãe (Maria Fernanda Cândido) é uma das mais tocantes da teledramaturgia. Veja a cena aqui

Homens e mulheres trans não foram descobertos a partir desta novela. A propósito a própria TV Globo já havia abordado o tema superficialmente em 2002, com a personagem Ramona, da atriz Claudia Raia. As novelas estão sempre à frente do seu tempo e por isso os autores e diretores recebem muitas críticas acerca dos temas abordados. Temas esses que podem ser novidade para a grande maioria, mas que refletem a realidade daqueles que, muitas vezes, não tem voz. E assim como as novelas, o teatro, o cinema e sobretudo a literatura tem um papel importante de apresentar e aprofundar esses temas. É o caso do livro “Apenas uma garota” da escritora Meredith Russo.

“Apenas uma garota” é o que a personagem Amanda Hardy quer ser. Ela não deseja luxo ou riqueza, quer apenas ser aceita e viver em paz. Desde criança sofreu com as expectativas do pai, bullying na escola e nunca se identificou no corpo que ganhou ao nascer. Amanda nasceu Andrew, mas tem a plena consciência de que deveria ter nascido menina. Andrew queria ser menina e sempre deixou isso bem claro em desenhos e redações escolares, sempre quando questionado sobre o seu futuro, até ser fortemente repreendido pelo pai. Andrew não era feliz. Sabemos disso porque o livro é dividido entre passado e presente, narrado no passado por Andrew e no presente pela Amanda.

A pressão, a aflição por ter um corpo que não era seu, a tristeza pela falta de compreensão levaram Andrew a uma tentativa de suicídio, e a partir daí tudo muda na sua vida. Com ajuda da mãe e de especialistas, Andrew começa a frequentar um grupo de apoio e faz a transição. “Qualquer coisa, qualquer pessoa, é melhor que um filho morto”. (pág.16).

Entretanto, se tornar uma menina não significa a solução dos seus problemas. Amanda não é aceita na cidade em que vive com a mãe, chegando a ser vítima de um espancamento. E, por isso, decide se mudar e encarar uma nova vida ao lado do pai, que também precisa encarar a realidade e compreender a transformação do seu filho único. Com a oportunidade de recomeçar, Amanda decide manter seu segredo, faz novos amigos, se diverte, tem experiências que ainda não havia experimentado como mulher e desperta o interesse dos rapazes do colégio. Entre eles o fofo e popular jogador futebol americano, Grant.

A atração é imediata. Grant é um daqueles personagens crush, gracinha demais, humilde, honesto e educado. O romance entre eles não demora a esquentar e com isso as incertezas quanto a aceitação voltam a atormentá-la. Eu fiquei o tempo todo na expectativa da revelação, e quando aconteceu, eu fiquei muito triste. Mostra como o ser humano pode ser cruel e como é difícil confiar nas pessoas hoje em dia. “Eu perguntei se era possível sentir alegria pura, que não estivesse maculada por medo e incertezas, ou se algum nível de tristeza era uma constante universal, como a velocidade da luz”. (pág.63).

“Apenas uma garota” é a jornada de uma garota em busca de paz e tranquilidade. Fala sobre amor, respeito, libertação, quebra de tabus, e superação. Com propriedade de causa, a escritora que também é trans, escreveu a história de Amanda inspirada em suas próprias experiências. É uma história forte, mas creio que ela poderia ter nos mostrado mais, principalmente nas implicações da transição, nas cirurgias, nas inúmeras medicações a que são submetidos. Ela não aprofundou muito nesta questão. Focou muito mais na questão psicológica e nas relações familiares e sociais. É um livro com pouco mais de 240 páginas, mas que poderia ter, facilmente, mais umas 200 páginas. Mesmo assim, conseguiu passar a mensagem e tenho certeza que vai abrir a mente de muitas pessoas para a transexualidade e as portas para outras histórias e escritores, com a mesma temática.

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