VOX – Christina Dalcher
Imagine um cenário distópico em que um governo totalitário e fundamentalista religioso chegou ao poder. Imaginou? Em um cenário como esse, quem você acha que serão as primeiras pessoas a perderem seus direitos? Isso mesmo, as mulheres! E até aqui eu não estou falando de ficção, eu falo de realidade e infelizmente uma realidade que já vimos ocorrer em muitos países mundo afora.
Hoje nós vamos conversar sobre uma distopia queridinha nos últimos tempos, da qual a maioria dos booktubers (criadores de conteúdo sobre livros) já falou: VOX, da Christina Dalcher, o livro que está sendo descrito por aí como ‘o novo Conto da Aia’. E aí eu já farei uma importante observação. Eu não gosto de comparações deste tipo! Mesmo sem ter lido o segundo, eu conheço um pouco sobre suas nuances e sei que as histórias podem até ter uma base semelhante, mas elas vão para caminhos diferentes, com uma jornada muito distinta. Enquanto em ‘O Conto da Aia’ a história tem um tom de ‘descendo a ladeira’, em VOX podemos sentir um pouco de esperança.
Existe mais uma variedade de distinções, mas acho que elas não vêm ao caso aqui. Eu só abri esses parênteses para falar que não gosto que digam que um livro é o novo sei lá o que, só porque a premissa é semelhante. Eu ficava pra morrer quando falavam que ‘A garota no trem’ era o novo ‘Garota Exemplar’. Então, apenas parem!
Enredo de Vox
O livro se passa nos EUA no futuro, não muito distante, diga-se de passagem, em que esse governo chegou ao poder, e quando eu digo que chegou ao poder, não foi por meio de golpe não viu, galera?! Foi por meio do voto mesmo, foi de maneira legítima.
E assim, as mulheres foram perdendo seus direitos de maneira absurda e absurdamente rápida. Elas não podem mais trabalhar, ter conta em banco, ter telefone, acessar internet, sair sem a permissão do marido, não podem mais ser solteiras, não podem nem sonhar com algum tipo de relação sexual fora do casamento.
As meninas não aprendem mais a ler e escrever. Agora estudam costura, bons modos, e tudo para ser uma boa esposa. Mas o principal é que agora as mulheres não podem mais ter voz, em todos os sentidos dessa frase. AGORA AS MULHERES SÓ PODEM FALAR 100 PALAVRAS POR DIA!!!
Para fiscalizar isso, cada mulher recebe em seu braço um contador que vai contando cada uma de suas palavras. E quando se ultrapassa o número, a mulher é eletrocutada. E essa lei não vale só para as adultas não, vale para todas as mulheres, não importando a idade.
Nesse contexto está nossa protagonista, Dra. Jean McClellan, uma das mais brilhantes neurolinguistas dos EUA, que agora fica em casa cuidando dos seus quatro filhos e do seu marido. Tem cerca de um ano que esse regime começou e desde então ela segue indignada e inconformada.
À medida que vamos adentrando na história dela, começamos a enxergar como ela também se sente um pouco culpada pelo que está acontecendo. Ela vai relembrando seus momentos de faculdade, quando sua amiga sempre a chamava para participar de passeatas, de rodas de conversa, de manifestos sobre o que estava acontecendo na nação, e ela nunca deu importância para isso.
A história tem seu grande ponto de virada, já bem no começo, quando Jean é chamada para retornar ao trabalho e a sua pesquisa, para ajudar o irmão do presidente que sofreu um acidente e teve danos no cérebro que afetaram sua fala. Ela precisa então decidir se vai ajudar e, se sim, a troco de que ela vai ajudar.
Não Há tempo para Recuperar o Fôlego
Sobre a narrativa, eu gostaria de falar que se você é daqueles que ama um livro em que as coisas não param de acontecer, esse livro vai te conquistar deste a primeira página. Nenhum acontecimento demora, é tudo muito frenético. A leitura é super rápida e envolvente, pois o tempo todo estão acontecendo coisas e você sempre fica esperando pelas próximas.
O livro é narrado em primeira pessoa pela Jean e o único ponto de vista na história é o dela. O que eu acho mais que justo, afinal ela já não tem o direito de falar. É ela que tem que contar tudo pra nós, por meio de seus pensamentos e lembranças. Também vale pontuar que os capítulos são curtos, o que é um facilitador de leitura muito eficiente.
A Experiência ao Ler Vox
Outro ponto que eu gostaria muito que você soubesse sobre a história, principalmente se você for mulher, é como ela vai te doer. Te levar a uma realidade dolorosa, angustiante e da qual temos muito e muito medo que se torne real um dia. As coisas que acontecem com ela nos tocam de uma maneira muito significativa, porque a gente se identifica. Algumas delas a gente até já viveu, tendo em vista nossa sociedade machista.
Jean também é uma protagonista diferente das convencionais, que muitas vezes parecem estar tomando decisões pra agradar o leitor. Muitoooo pelo contrário, às vezes eu queria entrar no livro, segurar ela pelo braço e falar: “minha filha, o que você está fazendo?”. Algumas de suas atitudes eu diria serem até um pouco egoístas, mas não podemos julgá-la, afinal, quem sabe como cada um de nós se comportaria em um regime assim. Mas é justamente isso que a torna verossímil, ganhando nossa empatia e fazendo com que a gente se interesse por sua história.
Vox tem um ritmo muito frenético, quase como um Thriller policial, mas nem por isso ele deixa a desejar no aprofundamento psicológico principalmente da protagonista e de transmitir todo peso dessa história e tudo que ela quer nos deixar de mensagem e de aprendizado.
Eu considero uma história necessária, para que possamos avaliar alguns aspectos sobre o nosso próprio comportamento político e social perante o mundo em que vivemos e o nosso próximo. É uma história que vai além de passatempo, ela te induz ao questionamento de maneira mais profunda e mais real. E quer algo mais maravilhoso que um livro que vai te proporcionar tudo isso junto?
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