O livro Cova 312 é um relato cruel sobre um dos períodos mais nebulosos do país
‘Cova 312’ é o segundo livro da nossa autora do mês de fevereiro, Daniela Arbex. Um livro-reportagem, investigativo e absurdamente importante e elucidativo, que mostra nuances da ditadura militar no Brasil, por meio de relatos reais, dolorosos e cruéis de um dos períodos mais tristes do país. Esse é o segundo livro-reportagem da jornalista, que é autora do best-seller “Holocausto Brasileiro”, que narra o genocídio ocorrido no Hospital Colônia, em Barbacena, onde cerca de 60 mil pessoas morreram.

Ilustração do livro
O fio condutor da história é a vida, prisão e morte do guerrilheiro Milton Soares de Castro, que foi o único morto (cujo corpo nunca fora encontrado, até então), na penitenciária de Linhares, em Juiz de Fora. Mesmo sendo construída para ser uma prisão normal, se tornou um depósito de presos políticos a partir de 1966. E como Juiz de Fora sediava a auditoria da 4ª Região Militar, logo, mais de 300 militantes políticos cumpriram ‘pena’ na penitenciária.
Milton nasceu em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, vindo de uma família de dez filhos, sem muito dinheiro ou estrutura. Começou a trabalhar cedo para ajudar a mãe a cuidar dos irmãos. Trabalhava como pintor, almoçava pão com banha e com cerca de 16 anos, já começava a se mostrar uma pessoa indignada com as desigualdades sociais, claramente perceptíveis em seu dia a dia. Aos 26 anos, se tornou integrante da guerrilha que se instalaria na Serra do Caparaó, no Espírito Santo, divisa com Minas. ‘Embocados’ na serra, enfrentando extremo frio, fome e medo, a iniciativa não deu certo e todos foram presos. Dentre eles, Milton, que não sabia ainda, porém selaria seu destino atrás das grades de Linhares. Onde os militares informaram seu suicídio, com corpo desaparecido.
“O Gesto mais revolucionário era sobreviver e não deixar os caras nos matarem” (pág 56)

Ilustração do livro
Por meio de dolorosos relatos, documentos antigos e, de acordo com a própria jornalista, muito difíceis de serem acessados, depoimentos de familiares e outros presos políticos, Daniela vai construindo a narrativa de forma não linear, mas muito clara e intensa. Tendo viajado por cinco estados diferentes na busca pelas informações, ela percebeu que mesmo em tempos de democracia, ainda enfrentaria muitos obstáculos até conseguir elucidar a história de Milton.
É difícil perceber por meio da sua narrativa, que esse passado tão triste e pesado, mesmo após tanto tempo após o fim da ditadura, ainda se esforça para ficar nas trevas. Mas também é bom descobrir como um excelente trabalho de investigação, sério e comprometido, pode jogar luz e trazer à tona a verdade. Palavra essa que é tão importante para quem viveu aquele período, para familiares que até hoje não sabem os destino de seus entes, para todos que sofreram torturas e arbitrariedades.
“Mas os segredos podem ser descobertos quando se julgam sepultados sob as cinzas da memória” (pág 25)
Daniela amarra os fatos e as histórias narradas de maneira muito bem feita, fazendo com que a leitura flua e você se interesse mais a cada página. E mesmo a linguagem do livro sendo majoritariamente jornalística, ou seja, mais objetiva, ainda assim consegue transmitir emoção. Conseguimos nos sentir próximos das situações e sentir a dor dos horrores vivenciados. Viramos as páginas a cada momento com ânsia de saber mais, principalmente, sobre o que de fato ocorreu com Milton, mas também com um nó cada vez mais crescente na garganta.

Ilustração do livro
O livro ainda é composto por fotos da penitenciária, da cela que Milton morreu, guerrilheiros do Caparaó, militares e muitas outras, que nos ajudam a construir a efetiva imagem dos personagens que permeiam a história. Além das fotos, também podemos acessar documentos usados pela jornalista na construção do livro, como cartas, arquivos de interrogatório, e muitas de suas próprias anotações, realizadas ao longo da investigação.
“Cova 312” é um livro forte e necessário. Muito bem escrito e estruturado, nos imerge em um período que por mais que desejamos esquecer, precisa ser estudado e elucidado. Fechar os olhos não apaga as tragédias ocorridas durante a ditadura Militar, no Brasil. E é isso que Daniela faz com maestria: jogar luz sobre segredos muito bem escondidos, para mostrar que uma infinidade de verdades ainda precisam vir à tona.
Daniela Arbex é a escritora do mês de janeiro. Saiba mais sobre ela clicando aqui.
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