Grandes incentivadoras da literatura, bancas de jornal e revista resistem ao tempo
As bancas de jornal e revista resistem bravamente ao tempo, inovam, se modernizam, mas não perdem a sua essência
No último dia 30 de agosto foi comemorado o Dia Nacional do Jornaleiro. Uma profissão centenária (surgida por volta de 1859) e fruto da popularização dos primeiros jornais.
Uma profissão que passa de pai para filho e tem enfrentado tempos difíceis: a concorrência de estabelecimentos como drogarias e padarias que comercializam os mesmos produtos e o declínio do seu carro-chefe — os jornais e as revistas.
A crise econômica que assombra o Brasil há pelo menos 4 anos atingiu em cheio as editoras e o jornalismo. Sem contar a expansão da internet levando todo o tipo de informação a apenas um clique, propiciando uma substituição dos impressos pelo meio eletrônico.
O golpe mais recente veio do Grupo Abril, maior editora de revistas do país, que enfrenta uma grave crise financeira. Em agosto, a editora anunciou o fechamento de 10 revistas e a demissão de dezenas de jornalistas. Albert José Patrocínio, diretor jurídico do Sindicato dos Vendedores de Jornal e Revistas de Minas Gerais (SINVEJOR), fala sobre o impacto desse fechamento.
A redução da venda do produto impresso é confirmada na Pesquisa Mensal do Comércio (PMC) realizada pelo IBGE. Os dados mais recentes, de junho de 2018, mostram que o setor de livros, jornais, revistas e papelaria registrou estabilidade nas vendas se comparado ao mês anterior. Entretanto, em relação ao mesmo período de 2017, o setor de papel registrou queda na produção de -11,5%.
Há 45 anos trabalhando com impresso, seu Cilso Teófilo Vieira, de 62 anos, começou vendendo jornal na rua aos 11 anos. Ele conta que conseguiu formar as duas filhas a frente da Banca Luzia, no centro da cidade e lamenta o sumiço o público que consequentemente levou a redução no quadro de funcionários.
Com a produção de papel impresso cada vez mais em baixa, os jornaleiros precisaram se reinventar para sobreviver. Tradicionalmente conhecida por vender palavras e papel, as bancas ainda mantém sua essência, mas o espaço agora é dividido com toda a sorte de produtos: os HQs, os caça-palavras, coquetéis, apostilas e livros, dividem o espaço com pilhas, canetas, isqueiros, balas e chicletes. Os jornaleiros, além das tradicionais recargas de celular, agora oferecem serviços que levam os clientes às bancas, como xérox, plastificação de documentos e troca de películas de celular. Há bancas que já funcionam 24 horas, tudo para suprir a demanda da população e manter o negócio funcionando.
Essa incorporação de novos produtos, atende à demanda do público e não afetou a venda dos produtos originais. É o caso dos álbuns de figurinhas da Copa do Mundo da Rússia, um fenômeno de vendas nas bancas, que segundo dados da Panini, editora do álbum, vendeu cerca de R$ 17 milhões apenas em Belo Horizonte.
As bancas de jornal e revista fazem parte do cenário urbano de belo-horizontino e da história do Brasil. A Prefeitura de Belo Horizonte contabiliza cerca de 620 bancas licenciadas e distribuídas nas nove regiões da cidade.
De grande importância para a promoção da cultura, as bancas resistem ao tempo, aos avanços tecnológicos e das mídias digitais, e tentam se adaptar à nova realidade. Ao longo dos anos, elas inovaram, modernizam, e não perderam a sua essência.
Bancas de jornal e a literatura
Grandes incentivadoras da cultura, a sua literatura tem até nome próprio. Os “romances de banca” são considerados a porta de entrada para literatura e marcaram a vida de muitas pessoas, sobretudo as mulheres, público-alvo desses romances.
Os romances de banca têm como marca principal a acessibilidade, eles são infinitamente mais baratos que os livros vendidos nas livrarias. São pequenos, cabem na bolsa. Suas capas são sugestivas, trazendo uma ilustração que promete a sensualidade de suas histórias. Uma marca da literatura de banca é o erótico sensual, que deixa o best-seller Cinquenta Tons de Cinza a ver navios.
Nos romances de banca a linguagem é simples e fácil de entender. As histórias se desenrolam rapidamente, os finais são sempre felizes e quando menos se espera… acabou! E você já está na segunda história. Sim! Porque apesar das poucas páginas, alguns livros são formatados com duas histórias, geralmente da mesma autora.
Não é apenas os livros que levam os leitores as bancas é, sobretudo, o espaço democrático e a receptividade. A possibilidade de conversa e contato pessoal, tão ausente nos dias de hoje é facilmente encontrada nas bancas. Como conta a técnica de enfermagem, Michelle Lima, de 33 anos.
Apesar de toda a produção voltada para as mulheres, os homens também buscam essa literatura, como afirma seu Cilso, dono de um acervo de quase 150 mil livros, que ocupam o espaço da Banca Luzia e também 3 cômodos da sua casa. Os romances são o produto mais vendido da banca atualmente. É possível encontrar livros novos a partir de R$2,00. Seu Cilso também compra, troca e aceita doações. Sua banca fica na Avenida Afonso Pena, 466, Centro de BH, em frente à Itapuã Calçados.

Banca do senhor Cilso fica na Avenida Afonso Pena, 466, Centro de BH, em frente a Itapuã Calçados.
O auxiliar administrativo Fábio Pereira de Sousa, 43 anos, conta como conheceu os romances de banca e o diferencial deles.
Essa possibilidade de reciclagem do livro, aliada ao preço e ao teor das histórias, fizeram com que as coleções Bianca, Sabrina e Julia selassem a iniciação literária de muitas leitoras, como conta a cozinheira Gislene Ramos, 51 anos.
Para a intérprete de libras, Gleyce Kelly, 27 anos, o diferencial dos romances de banca é a acessibilidade e conteúdo diversificado.
A cabeleireira Ana Lúcia, 47 anos, reforça a paixão pela literatura e conta que já identificou histórias clássicas baseadas nos romances de banca.
A Banca Real na avenida Afonso Pena, nº 408, é uma das referências para compra e troca dos romances de banca. A Marta, dona da banca, já aposentou, mas deixou o legado para seu filho, Francisco de Moura, 37 anos, 18 anos só de banca. O carro chefe da banca são os romances e os preços variam entre R$2,00, R$5,00 e R$10,00, com possibilidade de negociação.
Francisco conta com leitores fiéis que mesmo sem novidades, já que a principal fornecedora a Abril Cultural, pertencente a Editora Abril, suspendeu a entrega de novos exemplares, continuam frequentando e movimentando o acervo.
Ele estima cerca de 2.500 livros vendidos por mês e afirma que pela localização, o público que busca esses romances é bem variado, e a faixa etária gira em torno dos 30 anos.

A banca do Francisco fica na Avenida Afonso Pena, nº 408, em frente a Sapataria Americana
No centro de BH, maior concentração de bancas por regional, é cada vez mais difícil encontrar as bancas que mantém a comercialização dos romances. Entretanto, as que ainda insistem na venda têm hoje os romances como o produto mais vendido, mesmo escondidos no fundo das prateleiras. Se hoje eles não ocupam mais o papel de destaque nas bancas, continuam encantando os leitores mais antigos, mas ainda precisam atingir a nova geração.
Quem são as autoras
Um romance tipicamente feminino, escrito para elas por elas. Os romances de banca abrem espaço para escrita feminina, alvo de preconceito e constantemente ignorada pelas grandes editoras.
Muitas autoras dos chamados romances “água com açúcar” saíram direto das bancas para as listas de best-seller New York Times. É o caso da americana Nora Roberts, figurinha fácil nas bancas do centro de BH, já publicou mais de 200 livros, traduzidos para 25 idiomas. Entre as bancas e as livrarias, Nora já vendeu inacreditáveis 500 milhões exemplares.
Entre as escritoras mais vendidas, e lembrada tanto pelos leitores quanto pelos jornaleiros, está Diana Palmer. Na verdade, seu nome verdadeiro é Susan Eloise Spaeth, que publicou mais de 150 livros no mundo todo sob os pseudônimos Diana Blayne, Katie Currie, Susan Kyle (nome de casada) e Susan S. Kyle.
Literatura de Cordel
Se no passado as bancas democratizaram o acesso a literatura, hoje ainda cumprem esse papel cedendo seu espaço para a venda da literatura de cordel, ignorada pelas grandes livrarias.
Quem fornece os cordéis para as bancas de BH é o cordelista paraibano, José Medeiros, que há 37 anos escreve histórias tipicamente brasileiras, apresentando personagens nordestinos, como Lampião, Seu Lunga e Patativa do Assaré. Medeiros ressalta a importância das bancas, para a literatura de cordel.
As bancas de jornal e revista sempre tiveram um papel importantíssimo no incentivo à cultura. Seja por meio da venda de quadrinhos, dos romances ou dos cordéis, afinal, as bancas estão onde o povo está. Elas são democráticas. Se há uma grande circulação de pessoas, ali perto certamente haverá uma banca e a oportunidade de ler mais.
Veja projetos de incetivo à leitura aqui
1 comentário
Minha filha vai participar de uma mostra cultural na escola dela e vai trabalhar a literatura de Cordel, preciso conseguir comprar exemplares uns 40 para fazer um varal de Cordel. Poderia me dar dicas de onde encontrar ou o contato do cordelista citado nessa reportagem ( Jose Medeiros). Agradeço a atenção. Meu email terezamachadofer@hotmail.com, Whatsapp 995561354.