Documentário Em nome de Deus detalha os bastidores da investigação jornalística do maior caso de abuso sexual do Brasil
A principal estreia da Globoplay em junho, sem dúvida, é o documentário Em nome de Deus revelando os bastidores da investigação jornalística que expôs o maior caso de abuso sexual do Brasil.
O caso envolveu mais de 500 vítimas e uma das personalidades mais emblemáticas do país até em então, o médium João de Deus. A obra cumpre uma das principais premissas do jornalismo, isto é, dar voz a quem não tem.
Quantas atrocidades já foram cometidas em nome de Deus?
Quem poderia imaginar? Quem poderia acreditar? Quem poderia denunciar? O caso João de Deus ganhou repercussão mundial em 2018, momento em que o programa de entrevistas Conversa com Bial deu voz às primeiras mulheres que acusavam o médium João de Deus de estupro e assédio sexual.
A revelação chocou os milhares de seguidores do médium e, principalmente, para além dos seguidores da Casa Dom Inácio de Loyola em Abadiânia. É que João de Deus era um queridinho da alta sociedade brasileira, incluindo celebridades nacionais e internacionais, políticos e personalidades com grande notoriedade como ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e ex-presidentes da República. Um homem conhecido pelas curas milagrosas – realizadas sempre em nome de Deus.
A princípio apenas duas vítimas estrangeiras se dispuseram a mostrar a cara e denunciar João de Deus, mal sabiam elas que essa ação abriria espaço para centenas de denúncias posteriores, feitas por mulheres de diferentes faixa etárias e nacionalidades, que foram vítimas dele em épocas diferentes.
A importância do jornalismo investigativo
Em tempos de #exposed, em que mulheres vêm a público nas redes sociais relatar casos de abusos sofridos, as atrocidades cometidas por João de Deus foram reveladas ao mundo por meio da investigação jornalística para o programa televisivo tendo durado meses e dando voz e amparo às vítimas – mulheres desacreditadas até mesmo pela justiça, com registros de antigos boletim de ocorrências e julgamentos que inocentaram o médium.
A série traça um panorama da vida do médium desde a infância, com depoimentos de amigos e familiares e imagens reais extraídas de filmes e documentários, contrapondo com a denúncia das vítimas. As falas são tocantes e chegam a chocar o telespectador com tamanho sofrimento sendo que alguns casos são de mulheres que guardaram o segredo de abuso por mais de 20 anos. Durante a exibição dos curtos episódios, quando você pensa que não tem como ficar pior, vem mais uma atrocidade que chova e literalmente mexe com as nossas emoções, podendo despertar gatilhos emocionais.
O documentário traz ainda entrevistas de personalidades íntimas de João de Deus, por exemplo, a Xuxa, que seguiam o médium e chegaram até a fazer propaganda para ele.
A investigação jornalística vai fundo na rotina em Abadiânia apresentando a trajetória de João de Deus da sua ascensão até a condenação pela justiça brasileira, e os efeitos da pandemia no cumprimento da pena. São revelados importantes aspectos da cultura brasileira e sua herança, que contribuíram para que os crimes do médium ficassem escondidos por tanto tempo. As dinâmicas de poder, a influência política e os resquícios do coronelismo são facilmente percebidas.
Já o machismo estrutural é detectado à medida que a vítima é desacreditada ao denunciar qualquer tipo de abuso recebendo represálias do tipo “oportunista”, “interessada em fama ou dinheiro”. A certeza da impunidade, a camaradagem e o conhecido jeitinho brasileiro enraizado desde à época do Império ocultaram as atrocidades do médium, que incluem assassinatos, ameaças e corrupção. A série revela o preço da injustiça na vida de uma vítima, incluindo a própria filha de João de Deus, que luta sozinha contra toda uma estrutura de opressão.
É impossível realizar qualquer julgamento em relação às vítimas, em sua maioria já fragilizadas por doenças e tragédias familiares, que foram a Abadiânia em busca de milagres e saíram com traumas profundos, acuadas pelo medo do homem poderoso, da conexão espiritual que ele representava, das represálias espirituais e da facilidade em serem desacreditadas.
A estreia do documentário na Globo repercutiu nas redes sociais. Conduzido por Pedro Bial e a jornalista Camila Appel, Em nome de Deus tem direção de Monica Almeida, Gian Carlo Bellotti e Ricardo Calil.
São 6 episódios repletos de detalhes com entrevistas que são verdadeiros socos no estômago, mas, extremamente necessários sobretudo para que a sociedade reflita a importância de dar voz e ouvir às vítimas de qualquer tipo de abuso.
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