The Travis Family – Marca a estreia de Lisa Kleypas na escrita contemporânea

Assim como os demais livros da escritora americana, a série The Travis Family foi um sucesso, e rapidamente se tornou mais um best-seller dentre os inúmeros que a autora Lisa Kleypas coleciona.

Lisa é uma das mais bem-sucedidas escritoras de romances de época da atualidade. Ao lado de nomes como Julia Quinn, Tessa Dare, Sarah MacLean e Suzanne Enoch, ela divide os principais prêmios e alterna rankings de vendas e o corações dos leitores.

Fazer essa migração época/atualidade não é uma tarefa fácil, já que a escrita de Lisa é marcada pela impecabilidade nos detalhes e fidelidade ao contexto histórico, adaptação de linguagens e culturas. E é justamente essa amarração perfeita que seduz o leitor de suas obras de época, alheio a construção impecável dos personagens. O destaque expressivo de suas obras vai para as mulheres que quebravam as regras da sociedade opressora e lutavam por mínimas conquistas, como a de se casar por amor, enfrentando os pais e, principalmente, as convenções machistas impostas em nas culturas de todas as épocas.

Os anos se passaram, e a atualidade se revela um pouco diferente para elas, mas não menos desafiadora. E assim, protagonizadas e contadas por mulheres fortes, The Travis Family mostra que as mulheres continuam suas lutas diárias e diversas, só que agora enfrentando os desafios modernos que vão além de manter a virgindade antes do casamento.

Na série, Lisa apresenta verdadeiras jornadas de mulheres reais, como nós, sujeitas a tragédias, injustiças, violência, preconceito, abusos físicos e psicológicos, machismo, e toda a sorte da maldade humana.

A leitura desta série é como se estivéssemos abrindo e explorando um álbum de fotografia de uma vida inteira, mostrando a evolução e os momentos mais marcantes de cada personagem. E se no meio do caminho aparecer um gostosão, ele não será prioridade, mas certamente terá sua atenção. Outra marca da escritora Lisa Kleypas é escrever sobre amor, com uma pitada precisa de sedução, cenas de sexo com uma pegada forte e muitos detalhes.

A Protegida | The Travis Family 1 – Liberty Jones e Gage Travis

A vida de Liberty Jones é uma saga típica de novela mexicana, com mais baixos do que altos e aquelas reviravoltas e acontecimentos de partir o coração. É uma história densa e bem diferente da escrita com a qual estamos acostumadas nos romances de época. Portanto, se espera um romance leve e divertido, aqui Lisa entrega um drama perfeito para reflexões e um banho de lágrimas.

A narrativa começa com uma Liberty criança, que se muda com a mãe para um estacionamento de trailers. Ela precisará se adaptar ao local e a escola. Para isso, contará com a ajuda da vizinha senhora Marva e da família Cates, em especial Hardy, um garoto mais velho que mexerá com o coração de Liberty imediatamente.

Hardy é um garoto frustrado e orgulhoso que está preso a cidade para ajudar a mãe e as irmãs. Sonha em ir embora e construir um futuro melhor e ganhar dinheiro. Ele é ambicioso, e, como tal, não quer se apegar a ninguém, muito menos a Liberty. Essa paixonite trará momentos em que marcará negativamente a vida sexual da personagem.

Conhecemos os desafios da criança e da adolescente Liberty, principalmente a relação com a mãe, uma mulher muito bonita, mas que não sabe escolher seus parceiros, o famigerado “dedo pobre pra macho”. A vida delas é restrita e com pouco espaço para grandes sonhos. Morar em um estacionamento de trailers já é um indicador de que não vivem bem.

“Quem é pobre tem poucas escolhas na vida, e a maior parte do tempo a gente não pensa muito nisso. Só faz o melhor que pode,e, quando necessário, se vira em alguma coisa, e reza para Deus na esperança de não ser derrotado por algo que não pode controlar”. (pág.105)

E para piorar, a mãe de Liberty engravida, e a responsabilidade de cuidar da criança recai totalmente sobre ela, que precisa dividir seu tempo entre a escola e os cuidados com a irmãzinha Carrington. A mãe de Liberty entra em um estado de negação e segue sua vida normalmente, deixando Carrington sob a tutela total de Liberty.

“Quando se está caminhando na escuridão, não se pode depender de nada ou ninguém para iluminar seu caminho. Você tem que usar qualquer centelha que tiver dentro de si. Ou então irá se perder. Foi isso que aconteceu com minha mãe”. (pág.102)

Quando Carrington tem apenas 2 anos, a mãe de Liberty morre em um trágico acidente de carro, deixando as duas órfãs, sem dinheiro e nem a quem recorrer. Assim, uma vida que já não era nada fácil ou abundante se transforma numa saga, em que Liberty terá que, literalmente, se sacrificar para criar a irmã, cuidar de si mesma, e evitar os erros cometidos pela mãe.

Assim, com a ajuda dos amigos, Liberty e Carrington vão sobrevivendo dia a após dia. As duas crescem juntas e é muito bonito acompanhar o fortalecimento dos laços e o amor delas. A gente torce por cada pequeno momento, cada conquista mínima das duas, inclusive as tentativas de Liberty em se relacionar com alguém, em sua maioria frustrada por homens que não querem saber da responsabilidade com a irmã.

“Eu esperava que nenhum homem cometesse o erro de pensar que eu ficaria feliz de colocar ele e sua carreira em primeiro lugar”. Pág.(75)

A vida delas começa a mudar quando Liberty consegue um emprego em um grande salão de beleza em Houston. Lá, ela conhece o multimilionário Churchil Travis, o patriarca da família Travis e estabelece com ele uma relação incondicional de amizade, ao ponto de Churchil convidá-la para ser sua assistente pessoal.

É uma relação bonita de proteção, como a de um pai e filha, um mistério que paira no ar até os últimos capítulos. Infiltrada na família Travis, Liberty desperta a atenção do filho mais velho de Churchil, Gage Travis, que a princípio, simpatiza muito mais com a pequena Carrington, do que com a moça. Já é um bom sinal.

Com a proteção da família Travis, enfim, Liberty e Carrington poderão buscar o final feliz que merecem, mas, claro, que alguns contratempos ainda assombrarão a moça, como o aparecimento de Hardy, aquele amigo de infância que a abandonou nos momentos em que mais necessitou.

Como eu torci pela Liberty. Em vários momentos esse aspecto de personagem real vai permeando a história, e é possível se identificar com cada “7 a 1” sofrido por ela. Liberty sofre, cai e se levanta ainda mais forte. Uma jovem com problemas reais, problemas que podem afligir qualquer uma de nós.

A escrita da Lisa, como sempre, levanta discussões para além da história de amor. Aborda o preconceito com as mulheres de origem mexicana, mulheres solteiras com crianças para cuidar, como vivem os americanos na linha da pobreza, e, até mesmo, sugar daddy.

A Redenção | The Travis Family 2 – Haven Travis e Hardy Cates

Única filha de Churchil Travis, Haven nunca teve vida fácil, apesar da fortuna do pai. Criada com muitas imposições e restrições pela mãe Ava, Haven carrega consigo insegurança e incerteza.

Essa criação levou Haven a tomar decisões de afastamento, como cursar uma faculdade feminista em outro estado, e casar bem cedo, mesmo com a reprovação de toda família, levando o pai a deserdá-la.

Haven amava Nick, Nick amava Haven, porém Nick não recebeu muito bem essa ideia de Haven sem a grana do pai. Mas Haven encarou a oportunidade como uma chance de mudar sua vida e ser mais independente. O que ela não esperava era ter que embarcar em um relacionamento abusivo, violento e que deixaria graves marcas em sua vida.

“Eu comecei a mentir compulsivamente, com medo de revelar qualquer coisinha que eu tivesse feito ou dito que Nick não gostaria, qualquer coisa que pudesse irritá-lo. Eu me tornei bajuladora, e dizia para Nick que ele era mais inteligente que todo mundo junto… Eu dizia que ele estava certo quando era óbvio que ele estava errado. E, apesar de tudo isso, Nick nunca estava satisfeito”. (pág. 48)

Os primeiros capítulos apresentam uma Haven tentando se encaixar na bolha criada pelo marido. Aos poucos, Nick vai minando todas as possibilidades de felicidade do casal. Ele manipula Haven, e todas as cenas são descritas com tanta veracidade que mexem profundamente com o leitor, podendo ativar sérios gatilhos. São imposições, indiretas, grosserias e humilhações, como chamá-la pelo segundo nome, Marie, já que ele não gosta de como soa o nome Haven. E, por fim, agressões que resultam em lesões graves.

“Quando se é sistematicamente agredida, sua capacidade crítica vai sendo solapada até o ponto em que é quase impossível tomar decisões. Pequenas decisões são tão difíceis quanto as importantes. Até escolher o cereal do café da manhã parece perigoso”. (pág 65)

Totalmente quebrada, é assim que Haven sai desse relacionamento em uma fuga alucinante, com detalhes que novamente reforço beiram a perfeição. Só quem já presenciou ou esteve em um relacionamento assim, sabe. Eu só conseguia dizer: “Meu Deus! Coitada dessa mulher”.

Haven vai recolhendo seus pedaços e fazendo terapia. E, a propósito, as intervenções com a psicóloga são esclarecedoras para o leitor, e o comportamento de Nick e da chefe Vanessa são facilmente identificáveis em nosso dia a dia. Relacionamentos abusivos não são apenas os amorosos, há famílias tóxicas, empregos tóxicos, e pessoas tóxicas. A psicóloga de Haven descreve e explora o Transtorno de Personalidade Narcisista.

O recomeço de Haven conta com a ajuda dos irmãos Jack e Gage, da cunhada Liberty e de Hardy Cats (lembram dele?), affair de Liberty no livro 1.

Hardy se transformou em um magnata do petróleo, rico e bem sucedido. Ele sente que falta algo em sua vida para compor o que sempre sonhou. Dois anos atrás, ele e Haven tiveram um encontro inusitado, que marcou positivamente o moço. Porém, Hardy é um inimigo mortal dos Travis.

Uma busca pela redenção, assim definimos a aproximação e romance entre Hardy e Haven. Duas pessoas marcadas pelas surpresas trágicas da vida, com passados sombrios, mas com uma vontade imensa de recomeçar e enfim ser feliz. Os dois fazem muito bem um ao outro.

A construção de um romance improvável é cativante, de arrancar vários suspiros e até lágrimas. Afinal, o passado pode até nos marcar, mas um futuro está logo à espreita, bastar darmos uma chance a vida. 

A Busca | The Travis Family 3 – Hannah Varner e Jack Travis

Encontrar o pai do filho da sua irmã é o que leva Hannah Varner a uma verdadeira busca. De uma família totalmente problemática, com uma mãe com idade mental de 15 anos, Hannah tem sua vida estabilizada e tranquila ao lado do namorado Dane.

A bolha perfeita de Hannah é quebrada quando recebe a ligação da mãe, informando que a irmã Tara havia deixado seu filho e desaparecido. A futilidade da mãe de Hannah é explícita (ô mulherzinha chata), quando ela se recusa a ficar com o bebê para não atrapalhar seu namoro.

“_ Então entregue-o ao Conselho Tutelar… O que acontecer com ele vai ser sua culpa, não minha. Livre-se dele se não aguenta a responsabilidade”. (pág.27)

Assim, Hannah abandona sua vida no Texas e parte para Houston para salvar o bebê das garras da mãe, encontrar a irmã e o pai da criança. Porém, seu namorado se recusa a aceitar a criança em sua casa.

É nessa jornada pelo pai da criança, que Hannah chega a Jack Travis, um homem de negócios, sem tempo para perder, mas que curiosamente se sente compadecido pela história e decide ajudá-la, em parte pela curiosidade e por Hannah não se sentir afetada pelo charme e fortuna dele.

O envolvimento deles é charmoso, e construído aos pouquinhos, numa relação de confiança e cuidado. Como uma família, Jack cuida e trata do bebê como se fosse seu, e a paixão por Hannah só aumenta. Só que a moça ainda tem dúvidas se embarca nessa nova vida ao lado do bonitão multimilionário.

O trabalho como colunista sentimental para um jornal, esconde uma mulher decepcionada com a mãe, frustrada pelo afastamento familiar e insegura.

“Sempre que minha mãe estava por perto, a realidade assumia as dimensões de um espelho de parque de diversões. Insanidade era apenas produto de excesso de cafeína, tamanho 42 era um estágio de obesidade que necessitava de intervenção médica e qualquer homem que eu namorasse estava, obviamente, apenas se satisfazendo com uma substituta de segunda linha para Candy Varner. E tudo que eu tivesse dito ou feito podia ser reescrito de acordo com as conveniências dela”. (pág. 214)

Essa busca por respostas acabará levando Hannah a uma transformação pessoal, que agora inclui um bebê e um Travis apaixonadíssimo. Neste livro, Lisa toca em assuntos sérios como a fachada construída por homens religiosos que escondem atitudes sombrias e que não condizem com o que pregam. 

A Escolha | The Travis Family 4 – Avery Crosslin e Joe Travis

De todas as mulheres da saga, Avery é a mais vulnerável. Apesar de ser uma mulher bem-sucedida, aos 27 anos, ela é insegura em relação ao seu corpo, e também a se entregar para o amor.

Faz três anos que Avery foi abandonada no altar e, desde então, focou no trabalho e nunca mais deu oportunidade para ninguém. Acostumou-se a solidão, e a desconfiança faz parte de sua vida.

“Enquanto seu olhar deslizava por mim, soube exatamente o que ele estava vendo: uma mulher robusta, beirando os 30 anos, cabelos ruivos e óculos enormes… blusa social e calças com pernas largas e elástico na cintura. Se o visual era pouco atraente para os homens – e de fato era – melhor ainda. Não pretendia atrair ninguém”. (pág.6)

Até conhecer Joe, o caçula da família Travis, e dar a ele uma única noite de amor, pensando que seria casual e sem envolvimento qualquer. Mas o moço se apaixona, e Avery simplesmente não sabe lidar com a situação.

“Pelo que pude observar, o tipo de amor que ardia mais quente era também o que queimava mais rápido. Não podia sobreviver depois que a novidade e a empolgação tinham passado…” (pág.15)

De toda a série, esse livro é o mais romântico, fofo e leve. Isso diz muito da personalidade criada para os dois. Joe é o mais zen da família, decidiu ser fotógrafo, contrariando o pai que queria vê-lo envolvido nos negócios da família. Já Avery e sua irmã Sofia mudaram completamente suas vidas para investirem em um negócio e passar mais tempo juntas, se curtindo como irmãs.

Em meio a organização do mega casamento do Ryan, primo de Joe, vamos nos divertir com as indecisões, escolhas e a entrega de Avery ao amor.

“As imperfeições do meu corpo não eram defeitos para Joe, que sempre viu meu corpo com um misto de admiração e desejo que era bem lisonjeiro”. (pág.176)

As histórias secundárias são tão interessantes quanto a principal. As interações entre Sofia, irmã de Avery, e Steve, seu funcionário, que escondem uma paixão reprimida. E claro, tem espaço para a continuidade da vida da família Travis. Haven passará por problemas na gravidez, e, enfim, Gage se entende com Hardy.

Cada livro da série foi diferente, com personagens diferentes, histórias de vida diferentes, beirando ao mais real possível da nossa realidade. Lisa cumpriu bem a missão e deu um final justo para cada membro da família.

The Travis Family é uma publicação da Editora Gutenberg. Clique para saber mais

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