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[Resenha] O Garoto Quase Atropelado – Vinicius Grossos

por Elis Rouse
8 minutos de leitura

O Garoto Quase Atropelado – Vinicius Grossos

O garoto quase atropelado é o quarto livro do escritor carioca Vinicius Grossos, um dos destaques da nova geração de autores nacionais 

Vinicius Grossos é mais um nome da nova geração de escritores nacionais para ficar de olho. Já apresentamos aqui vários desses autores, como Lavínia Rocha, Felipe Barenco e Mariana Cestari, que tem encantado leitores ao trazer para a literatura nacional temas atuais e em constante evidência, como racismo, homofobia e depressão.

Vinicius já tem quatro livros publicados: Sereia Negra (2014); O garoto quase atropelado (2015); 1+1 – A Matemática do Amor (2016) e O Verão em Que Tudo Mudou (2017). A marca da sua escrita é a inteligência, a simplicidade e o impacto que as suas histórias causam no leitor.

O garoto quase atropelado é uma obra que me deixou impactada. Conta a história de um garoto propositalmente sem nome, porque o que acontece não é uma exclusividade de um personagem, é algo comum a todos nós. Logo nas primeiras linhas, o autor mostra que o rapaz sem nome tem um problema sério. Ele sofre de uma depressão profunda, desencadeada após a morte do melhor amigo. As causas dessa morte não são imediatamente reveladas, mas já no início da trama percebemos o quão devastadora foi essa perda na vida do menino.

“Nunca tive problemas para aceitar que a morte é a única verdade da vida; que seu poder é inevitável e que todos iremos morrer um dia. O doloroso mesmo é que, infelizmente, o momento de algumas pessoas chega mais cedo do que deveria.” (pág.89).

Apesar do nosso protagonista já ter quase 18 anos, ele é muito inocente, chegando a ser até meio bobão, daqueles cujo “rosto ainda queima de vergonha” perto de uma menina ou de algo minimamente constrangedor. Desde o acontecimento que levou a morte do seu amigo, ele vive enclausurado em casa, fechado no que denomina “caverna da depressão”. E, escreve um diário a pedido da psicóloga para tentar entender o mundo ao seu redor, uma forma de escape desabafo.

“Felicidade, na minha opinião, é algo muito superestimado. O que é felicidade?” (Pág.29).

Logo nos primeiros dias de diário, o garoto se arrisca a sair de casa, e dar uma volta de bicicleta no seu condomínio. É aí que ele conhece a jovem que denomina “a cabelo de raposa”, por causa do ruivo dos seus cabelos. A bela garota quase o atropela, e nessa quase morte ele se apaixona perdidamente por ela e ganha o apelido que dá nome ao livro.

“Penso o quão ruim deve ser viver em uma gaiola, seja ela do tipo que for; gaiolas físicas, gaiolas de sentimentos, gaiolas de alma. E, definitivamente, as gaiolas invisíveis que nos cercam, das quais muitas vezes nem ao menos temos consciência de que nos prendem, são as mais devastadoras.” (pág.35)

O garoto solitário e depressivo começa então uma busca incessante pela “cabelo de raposa”. Numa dessas coincidências do destino, ele não só a encontra como também conhece os seus melhores amigos, aquém infantilmente denomina: Acácio como “James Dean não tão bonito” e Natália “A menina de cabelo roxo”, além da Laís “A cabelo de raposa”. Dá início então a uma amizade conturbada, fiel e libertadora.

O garoto quase atropelado adentra no mundo dos três e percebe que eles são tão desajustados e psicologicamente fodidos quanto ele. Apesar de jovens, cada um carrega um trauma que justifica grande parte das ações deles na trama, bem como o rumo que a história toma. A paixão pela Laís só cresce, mas as tentativas de relacionamento em sua maioria são frustradas. É um relacionamento nada romântico da parte dela, principalmente porque ambos precisam se libertar dos seus demônios.

“Os três demonstravam viver uma vida de coragem, liberdade e felicidade, mas no fundo estavam tão perdidos quanto eu. E uma coisa que eu havia aprendido com essas lições era que quanto mais você veste uma carapaça, finge ser mais forte do que é, menos oportunidade para resolver o problema ou se tornar mais forte você tem. O tempo gasto em fingir e agir como se já soubesse de tudo impede você de aprender.” (pág.81)

Esses demônios vêm em forma de temas fortes e impactantes como depressão, homofobia, bulimia, abuso sexual, abandono familiar, bullying, violência, traição, morte e suicídio. A primeira lição da história é a importância das pessoas na sua vida, sejam os amigos ou familiares. Eles são importantes em vários momentos, e aqui autor evidencia que certas companhias fazem bem, elevam o espírito. Eles se ajudam, se confortam do jeito que podem e isso é muito legal.

“Como se cada um escondesse a sua verdadeira batalha com a vida, entende? E no fim das contas, você fica no centro porque você conseguiu nos entender, ajudar e amar cada um de nós à sua maneira. Algo que realmente não é fácil com pessoas tão diferentes como nós três.” (pág. 131)

A história do garoto quase atropelado é triste, melancólica e sufocante, porque o tom de sofrimento, infelicidade, prostração é intensa. Mas tudo se sobrepõe aos ensinamentos de esperança. Embora esta não seja uma obra de autoajuda, o autor sempre que pode insere várias pílulas de ânimo para não afundar o leitor na depressão e melancolia dos personagens. Talvez, por isso, meu personagem favorito tenha sido o Acácio, suas reflexões e tiradas dão o tom mais leve a trama. A Natália passa despercebida nos ápices da história. Enquanto a Laís, em alguns momentos, me despertou até antipatia pela forma como ela tratava o garoto e por atitudes intempestivas, infantis, sem contar na abusiva chantagem emocional. Até entendermos que ela era uma pessoa solitária e perdida, a chance de criar uma empatia com ela passou batida.

Para além de toda a angústia da trama, O garoto quase atropelado é um livro musical, com direito a ícones do mundo deprê, como Lana Del Rey, Imagine Dragons e Lorde. A grande sacada do escritor foi trazer para a história uma trilha pop atual e jovem em sincronia com as cenas. As letras não só casam acertadamente com o momento, como fazem parte da situação.

A escrita de Grossos é fácil de ler, as referências são atuais e providenciais para a trama. Mas a história é extremamente triste. Eu sempre avalio o meu momento antes de pegar qualquer livro para ler. Histórias tristes, dramas, costumam ativar gatilhos emocionais escondidos dentro de nós, por isso é importante ficar alerta. Fora isso, gosto muito da diversificação de temas que os autores nacionais têm apostado em suas obras, fugindo dos tradicionais romances e as melosas histórias de amor, e trazendo temas difíceis de abordar, mas extremamente importante hoje em dia. Isso mostra que eles e o mercado editorial estão atentos às necessidades do leitor moderno.

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