Família não é só a de sangue: uma grata surpresa
Família não é só a de sangue é nome do livro, mas também poderia ser: Amigo é o irmão que a gente escolhe.
Ainda na faculdade de jornalismo, em um trabalho para a disciplina de Antropologia, estudamos sobre grupos urbanos. A ideia central era encontrar um grupo específico para evidenciar como a cultura é diferente e entender como cada indivíduo tem uma participação peculiar, evidenciando como essa cultura é construída de forma diversificada e dinâmica.
Naquela época eu não pensaria em um fandom (como são conhecidos fãs caracterizados pela empatia e camaradagem por outros membros que compartilham gostos em comum) de um programa de TV como um grupo urbano. E veja só: eles começaram online e hoje se reúnem em diversas partes do mundo para falar sobre o mesmo assunto. Neste caso, Supernatural. Mas você pode pensar sobre tudo isso que foi dito como uma torcida organizada de futebol.
Assim como acontece com os torcedores nos estádios, pessoas de diferentes culturas, pensamentos, lugares, idiomas, e tantas outras diferenças, se reúnem em convenções que saíram de fãs clubes formados na internet para discutir sobre um programa de televisão. São diferentes visões sobre o mesmo assunto. Mas, o que mais chama atenção no livro é o que ele traz como resultado de tudo isso dito acima. Como Supernatural mudou a minha vida?
Essa simples pergunta é respondida em cada um dos 25 capítulos diferentes, seja por telespectadores, por produtores e roteiristas ou por atores. São 25 histórias que foram mudadas ou reconstruídas de forma significativa que, em sua maioria, foram recheadas de esperança, persistência, amor, solidariedade, pertencimento e muita luta. Ei, mas Supernatural não é uma história basicamente de monstros? Se esse é o seu pensamento neste momento, sinto lhe informar, mas você está enganado.
Família não é só a de sangue reúne histórias incríveis e de pontos de vista não imaginados. É um sentimento tão bom entender como cada uma das 25 pessoas selecionadas contam como a série entrou para as suas vidas e como o simples ato de assistir a um programa de TV causou uma mudança tão grande. Por exemplo: uma fã que luta contra a dependência do álcool e viu em Sam Winchester a sua grande inspiração para largar o vício e conseguiu ficar “sóbria pelo Sam”. A conexão das histórias é fantástica!
Em outro caso, uma dona de casa foi diagnosticada com câncer e, em meio ao turbilhão que passava, viu mais uma vez o episódio ‘Na hora da minha morte’ [S02E01] e, em um episódio que antes do diagnóstico era apenas mais um, ela acabou vendo tudo o que sentia sendo retratado na tela da TV.
Mas não são apenas histórias de superação, mas de um novo recomeço, como pessoas que se conheceram através de convenções e hoje são casadas, mudanças de emprego e tantas outras conquistas que, de alguma forma, foram influenciadas pela série e encorajadas pela comunidade que vê e discute o programa.
Mas o livro vai além de contar histórias. Ele coloca em pé de igualdade o que chamamos de “ídolos” e “fãs”. Desconstrói a ideia de que todo fã é louco e frívolo e de que todo ídolo é perfeito e inalcançável. Ao longo das 250 páginas vamos percebendo que somos pessoas, conhecidas ou não, com problemas, doenças, alegrias, tristezas, fracassos e sucessos. Que somos seres humanos que buscam seu espaço, que todos temos medos, orgulho e inspiração. E que, durante esse caminho, podemos nos apoiar.
Ao longo das páginas é possível entender o sucesso da série, compreender porque o programa sobrevive há mais de 14 anos, porque jovens e adultos acompanham a história e porque ele reúne uma quantidade de pessoas que ficam online comentando cada episódio. A história é muito mais que dois irmãos que viajam um país salvando pessoas, caçando coisas, fazendo o negócio da família. É muito mais do que a luta contra demônios.
Destaque para ‘salvar pessoas’. A série tem feito isso. Os atores, os fãs, produtores, roteiristas… São muitas histórias, campanhas criadas contra a depressão, a ansiedade e pensamentos suicidas. São campanhas independentes criadas por fãs a partir de sua percepção de mundo, a partir do momento em que viram sua história mudar quando se encontraram em uma personagem ou em um episódio.
A ideia de fazer como os dois irmãos e continuar lutando, ganhou força e se tornou um mantra positivo, de encorajamento. E, assim como eles fizeram, ao perceberem que, ao longo da luta, era possível agregar pessoas de diferentes lugares, credos e pensamentos a família, a comunidade online acabou se tornando uma grande família, carinhosamente chamada de SPN Family.
Família não é só a de sangue é nome do livro, mas também poderia ser: Amigo é o irmão que a gente escolhe.
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