Em mais uma daquelas manhãs frias do insistente inverno que agasalhou a capital mineira em julho, tive um encontro inesquecível. O cenário, a centenária Praça da Liberdade, onde os turistas apreciavam o clima gostoso, o florescer dos ipês e a diversidade cultural dos museus do entorno. Fotos e selfies de todos os ângulos eternizavam o ambiente bucólico e aconchegante do espaço público. Os amantes tomavam todos os banquinhos em enlaces apaixonados. As crianças brincavam despreocupadas. Os moradores se exercitavam na companhia de amigos e dos seus animaizinhos de estimação. A calmaria daquele sábado era o palco perfeito também para louvor, meditação e poesia.
Entre os encontros e desencontros, passeios e voltas desorganizadas pela praça, um vivente se destaca na multidão. E ele não é mais um, ele não é qualquer um. Podemos chamá-lo de vendedor ambulante, porque de “porta em porta”, de rosto em rosto, vai oferecendo o seu produto em busca do seu ganha pão. A mercadoria a venda é alimento para a alma. Movimentando-se entre os nichos que circulam por ali, ele vai contando sua história, comovendo e sensibilizando aqueles que param um segundo para ouvi-lo. Seu nome? Roberto Pereira do Nascimento, 52 anos, nascido em Governador Valadares e morador de Belo Horizonte há mais de 40 anos.
“Você gosta de ler? ” Foi assim, com essa pergunta despretensiosa que ele me abordou, sentada em um dos banquinhos da praça mexendo no celular. E antes que eu pudesse responder, ele completou orgulhoso: “eu gostaria de te apresentar a minha obra”. De dentro de uma pasta já bem desgastada, ele retirou alguns papéis xerocados, ajeitou com delicadeza o pacote e começou a apresentá-los. Como apostilas escolares, os arquivos em preto e branco, grampeados ao meio, traziam o conhecimento de uma vida inteira. Roberto transformou em poesia as lições de uma existência marcada pelos dissabores e reviravoltas da vida. Ele é um poeta.
Começou a escrever poesia após o incentivo de um centro de reabilitação para usuários de drogas da capital. Sim! Roberto é sobrevivente de um dos piores males que assola a humanidade. O crack consumiu e devastou um pedaço grande da sua vida, quase o destruiu. Ele perdeu a esposa, os filhos, perdeu emprego, casa, a dignidade, mas nunca a esperança.
Roberto encontrou na literatura a luz no fim de um túnel que muitos, infelizmente, nunca chegam a ver e foi por meio da poesia que nos apresentou um jeito diferente de ver a vida. Com a ajuda de amigos, que ilustram e dão forma às suas histórias, Roberto já tem seis livros produzidos e mais de 200 poemas. Ele fala das suas obras com orgulho e nenhuma modéstia. Com olhos marejados, diz que não sabe escolher um entre todos os seus poemas, porque todos são bons e especiais. Escreve sobre os encontros que marcaram sua vida, datas significativas, futebol, sentimentos e dramas diários. As rimas ricas, envolvem o leitor em uma aura de expectativa, esperança e fé. Roberto diz que quanto mais amargurado fica, mais vontade tem de escrever.
Todos os dias, Roberto levanta cedo e parte para apresentar seu trabalho em busca do sustento e, para isso, conta com a gentileza e a sensibilidade dos frequentadores da praça. Além de sua poesia, atualmente, Roberto encara um grande desafio: está trabalhando no primeiro romance, intitulado “O dia vai chegar”. Ele conta que, apesar de gostar muito de poemas, o romance vem a pedido de amigos, que acreditam no seu talento. Admirador da literatura, Roberto cita o livro “A história da raça humana – através da biografia”, do escritor Henry Tomas, como livro inesquecível e uma dica de leitura para a juventude. Ele não cansa de afirmar que a leitura é tudo e “através dela nós mudamos até o nosso jeito de agir”.
Roberto é um representante dessa nação brasileira que luta diariamente para superar os desafios e as adversidades de uma existência marcada pela desigualdade e preconceito. Ele reescreveu sua história através da literatura. A vida lhe deu uma nova oportunidade e nós, que somos abordados por ele e suas histórias em um dia de inverno, de verão de outono ou de primavera, no frio, no calor ou na chuva, agradecemos muito por isso. A literatura de Roberto é uma inspiração!
Quer continuar se inspirando! A coluna “Poetizando” apresenta toda semana um poema diferente e inspirador.