Mulheres sem homens | Shahrnush Parsipur
Cinco mulheres iranianas têm suas vidas escancaradas ao mundo em Mulheres sem homens. A responsável por nos apresentar esse choque de realidade é a socióloga iraniana Shahrnush Parsipur.
Shahrnush Parsipur é uma das principais escritoras do Irã, embora viva, atualmente, como refugiada nos Estados Unidos.
Sharnush começou sua carreira aos 16 anos escrevendo contos e artigos. Já foi presa várias vezes por participar de protestos, por supostos mal-entendidos e por tratar de temas polêmicos em seus livros, como a virgindade em Mulheres sem homens, que lhe rendeu um tempo de prisão.
Mesmo proibidos no Irã, seus livros foram traduzidos para vários idiomas, como inglês, sueco, espanhol, português, italiano, holandês e francês.
Mulheres sem homens foi publicado pela primeira vez em 1990 e traz a histórias de cinco mulheres que se entrelaçam em um jardim localizado na cidade de Karaj. O pano de fundo da história, embora não aprofundado, é o golpe de Estado iraniano de 1950.
Mahdokht, Fa’ezeh, Muness, Farrokh-laga e Zaringolah são mulheres com idades e histórias distintas, que carregam em comum as marcas de uma cultura de opressão que recai sobre as mulheres iranianas, independentemente de sua posição social e estado civil. São mulheres amarguradas, invejosas, que se julgam, se cobram, e que além de serem alvo de preconceito social, também o praticam. São vítimas obviamente indefesas.
“_As mulheres nunca devem sair de casa. A casa é para as mulheres e o mundo de fora é para os homens.” (pág.31)
Essas mulheres buscam se libertar das amarras de uma sociedade impositiva e cruel com elas, ao passo que totalmente favorável aos homens, que usam e abusam de “seus” direitos, como o de ter várias esposas. As personagens da história só conseguem se reconhecer, de fato, livres e com poder de decisão, quando estão sem a presença dos homens, embora o destino delas ainda venha a se cruzar com alguns deles.
“_Minha querida mãe, a senhora sabe que desde que o mundo é mundo também se diz que uma mulher de mais de vinte anos não vale nem meio centavo. Por isso escolhi uma moça de menos de vinte.” (pág.45).
As histórias das personagens carregam temas fortes e importantes, como independência feminina, a liberdade, os tabus em torno da sexualidade, sobretudo, em relação a virgindade e as consequências que a sua perda acarretam a uma mulher solteira, o questionamento quanto a capacidade e inteligência das mulheres, como por exemplo, de assumirem responsabilidades banais a nós, e viverem sozinhas, sem homens.
Sempre bato na tecla de que um leitor precisa variar suas leituras, conhecer novas culturas, e este livro mostra um pouquinho do que muitas mulheres mundo afora ainda precisam enfrentar em suas vidas diárias. Preconceitos, restrições, agressões, estupro e humilhações que nos indignam, mas que fazem parte da normalidade e dos costumes delas.
É uma leitura difícil, repleta de metáforas, com desfechos mágicos, que abrem margem para diversas interpretações. O conceito de liberdade ficou muito marcado para mim.
A propósito do título, não espere uma leitura de militância feminina ou algo direcionado para a temática feminista. São narrativas de vida, do alto de um lugar de fala, onde nem mesmo a indignação feminina é aceitável.
Mulheres sem homens é uma ficção, com uma pitada de realismo fantástico. A leitura é profunda e desperta vários sentimentos como tristeza e revolta. O que essas mulheres passam sob o jugo da normalidade do machismo é absurdo e cruel. O poder da família e a obsessão por manter uma reputação leva as piores atrocidades.
O livro Mulheres sem homens é uma publicação da Editora Martins Fontes
O filme:
Confira o trailler:
A adaptação de Mulheres sem homens (Women Without Men) levou o prêmio de Melhor Realização no Leão de Prata de 2009, no Festival de Veneza. A exibição para a imprensa durante o festival foi aplaudida de pé. Segundo reportagem do Estadão, em uma outra exibição com participação do elenco, a diretora iraniana Shirin Neshat e os atores foram aplaudidos por mais de 10 minutos.
É um filme belíssimo, que seguiu praticamente a mesma história do livro, embora tenha aberto mão dos elementos fantásticos da trama literária que, para mim, foi o que trouxe um certo simbolismo, com a mensagem “ei mulher, você pode ser o que quiser, até mesmo uma árvore”. Eliminou uma das personagens e inseriu outra no seio da movimento que lutava a favor da democracia e contra o golpe de estado.
Se o livro não aprofundou no momento pré-golpe, o filme foi além, dando um enfoque maior na questão política, mostrando os protestos, notícias da revolução, discursos dos considerados rebeldes, e dando o direito a mulher de participar deste movimento. Ao abrir esse momento histórico, a diretora trouxe mais detalhes de como foi a derrubada do governo Mossadegh, que contou uma suposta conspiração americana e britânica.
É um filme muito visual, com poucos diálogos e diversos momentos de contemplação, seja das personagens, seja da natureza, ou tomadas do jardim. Isso faz com o filme apresente uma fotografia sensacional que mescla os tons escuros melancólicos, com as flores, que aliás, são o pouco de cor que dão vida ao filme. Mesmo com o pano de fundo da revolução é um filme parado, e as poucas cenas de ação não são apresentadas em seu todo. Portanto, se não gosta de dramas assim, é melhor investir mesmo no livro.
O livro e o filme são obras para ressaltar e apresentar ao mundo o talento da escritora Shahrnush Parsipur. Sua história é impactante, sua escrita sutil é extremamente importante para as mulheres de todo mundo.
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