Mentes Sombrias, mais do mesmo das distopias adolescentes
O livro Mentes Sombrias, da autora Alexandra Brackem, publicado em 2012 e lançado no Brasil pelas Editoras ID e Intrínseca, ganha uma adaptação para os cinemas, que estreia dia 16 de agosto. Essa história é a primeira de uma trilogia e o segundo livro ainda não foi lançado por aqui.
O primeiro aspecto que preciso deixar claro, e que mais me incomoda, é que essa é mais uma distopia, dentre as inúmeras que estamos sendo apresentados na última década. Mas notem, não estou dizendo que distopia é uma exclusividade dos últimos anos, até porque o excelente ‘1984’ de George Orwell, está aí para provar o contrário.
Acontece que fomos bombardeados com uma infinidade de distopias na literatura e no cinema, e agora esse tema já ficou super esgotado. Parece que todo mundo quer embarcar nessa onda enquanto ela está sendo rentável, o que, de certa forma, eu entendo, afinal, quem não quer ganhar dinheiro? Como o tema já vem sendo explorado em demasia, as histórias estão começando a apresentar umas ideias meio estapafúrdias. Não duvido muito que daqui a um tempo, conheceremos um mundo distópico onde os humanos, aos poucos, estão se transformando em minhocas, e só alguns sortudos superpoderosos precisarão salvar toda humanidade.
Em Mentes Sombrias, as crianças nos EUA morrem devido a uma doença que até então não existia. Apenas uma parte destas crianças permanecem vivas, e passam a ter algum tipo de dom especial. É aí que conhecemos a protagonista da história Ruby Daly, de 10 aninhos, que foi entregue por seus próprios pais para o governo, que, sob a desculpa de proteger o resto da população, está prendendo todas as crianças em espécies de ‘campos de concentração’.
É claro que não preciso nem falar que a intenção do governo não é nem de longe essa. Nesse local, as crianças são classificadas de acordo com a potência de seus poderes. Cada um ganha uma cor que varia de azul, verde, laranja e vermelho, os dois últimos são considerados extremamente perigosos e são mortos. Ruby, é claro, é laranja, ou seja, muito rara, mas ela usa seus poderes e consegue convencer o médico que pertence a outro grupo, permanecendo viva.
Seis anos se passam com a menina vivendo dentro do campo de ‘reabilitação’, até que uma médica diferente, Cate, se mostra afim de ajudá-la a fugir dali, tendo em vista que descobriram que ela é muito mais poderosa do que pensavam. Juntas, elas fogem e, finalmente, Ruby consegue sentir um pouco de alegria. Mas isso é só o começo de sua saga.
Confira o trailler:
Com relação à protagonista, tanto no livro quanto em sua adaptação, ela é muito carismática e divertida. E diferente das distopias mais famosas e recentes, temos aqui uma protagonista negra, e isso é muito bom. A atriz Amandla Stenberg (Tudo e todas as coisas), conseguiu encantar e personalizar a Ruby do livro. Infelizmente, não temos um aprofundamento psicológico substancial, o que deixa seu arco dramático raso e, com isso, fica complicado criar empatia com a história da garota.
Seus companheiros de jornada, encontrados depois da fuga, Bolota, Zu e Liam, o par romântico, têm o mesmo problema. Bolota se destaca por seu humor, que alivia em certos momentos. Porém, ao mesmo tempo, é compreensível o porquê de Ruby ser uma garota com uma personalidade fraca, afinal ela acaba de sair de seis anos de confinamento, onde sua única companhia era o medo. Nem ela mesma se conhece ou sabe de sua capacidade.
No filme, isso fica muito perceptível. Ao longo da trama, ela está sempre com medo, em dúvida, acha que a todo momento poderá machucar alguém, e vai precisando do apoio dos recentes amigos para se perceber como uma pessoa senhora de si, capaz de fazer as difíceis escolhas que a vida lhe impõe. Os olhares e hesitações da atriz são muito bons.
No livro, a narrativa da autora é gostosa de acompanhar e a obra tem uma fluidez que facilita a leitura. Eu diria que apenas algumas cenas são demasiadamente longas, sem necessidade. Com relação ao filme, esse é um ponto muito favorável, tudo flui muito rapidamente e não temos enrolação em nenhum momento, até porque não tem tempo pra isso.
O roteiro se sai muito bem ao levar para a tela tudo que precisava para que a história ficasse linear e bem redondinha, principalmente para quem não leu o livro. Os momentos de ação são bem executados e foram evitadas aquelas longas conversas sobre o passado trágico dos personagens, que sempre têm objetivo de aproximar o espectador, mas que acabam sendo chatas e jogadas aleatoriamente em algum momento da trama. Ponto para a direção!
Outro ponto super positivo para adaptação é a fotografia, linda. Talvez para evidenciar o fato de a protagonista estar presa por muito anos, mesmo que isso não ocupe tanto tempo de tela, a fotografia ressalta a todo momento, a amplidão dos espaços. O verde das matas, campos e plantações, é sempre tudo muito brilhante e iluminado, mostrando como o mundo é bonito do ‘lado de fora’. Até mesmo os momentos que visam mostrar como as cidades ficaram meio que abandonadas depois da explosão da doença, são poderosos, bonitos de se ver.
Em suma, a adaptação seguiu com muita fidelidade a obra literária, o que não deve decepcionar os leitores. Os atores escolhidos conseguiram adaptar bem as características de seus personagens e a ordem cronológica dos fatos foi muito bem executada em tela. É claro que ao assistir adaptações literários, o leitor precisa entender que nem tudo dá pra ir pra telona, mas aqui, a direção fez boas escolhas. Juntamente com uma trilha sonora bonita e bem adolescente, a adaptação diverte e prende atenção.
No livro, assim como no filme, terminamos sem entender muito bem de onde a doença surgiu, o que efetivamente ela faz e, o principal, por que ela fez algumas crianças se tornarem ‘especiais’. Mas devido ao fato de ser uma trilogia, pode ser que esse aprofundamento ainda esteja por vir. É o que esperamos, afinal, em três livros tem tempo suficiente para explicar tudo nos mínimos detalhes.
Mesmo com todos os elogios a adaptação, preciso ressaltar que, Mentes Sombrias, é mais um exemplar de uma distopia adolescente, ou seja, pode ser que a história, principalmente nos cinemas, não consiga cruzar a linha do divertimento. Sem trazer grandes questões ou aprofundamento.
O final, é claro, tanto no livro quanto no filme, deixou tudo em aberto, fazendo a protagonista tomar uma dolorosa decisão, cujos desdobramentos só descobriremos com as sequências. Ainda tem história pra vir por aí, se os leitores e espectadores vão se interessar em descobrir, não dá pra cravar.
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