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[Crônica] – Pensamentos que roubam o sono

por Barbara Andrade
4 minutos de leitura

Pensamentos que roubam o sono

Rotinas são uma droga! Esse foi seu primeiro pensamento naquele dia. Com o tempo, a infância passou, a adolescência passou e as malditas e necessárias obrigações de adulto bateram à porta. Nem adiantou tentar não abrir. As responsabilidades têm o talento de atravessar as paredes dos cômodos da casa e chegar à sua redoma particular (vulgo seu quarto). Disseram a ela que isso se chamava “vida”, um ciclo intrometido que te leva e te muda sem ao menos perguntar se você quer mudar. “Que droga”, pensou mais uma vez, olhos fixos no teto.

Passaram-se 12 minutos (que mais se pareceram segundos) e os pensamentos ainda permaneciam na injustiça que as pessoas chamavam de “vida”. Devaneios eram comuns na cabeça daquela menina, que aos 20 anos vivia uma vida que julgava mecanizada. Queria tomar decisões diferentes, queria sair da rotina, queria que as coisas que a cercavam não fossem ditadas por outras pessoas.

Fechando os olhos, novos pensamentos insistiam em entrar: “Como viver feliz, sem poder viver o que se quer viver? Cara! Isso é muita loucura”. Naquele momento, apenas seus olhos se animavam a se mexer, seu corpo estava paralisado sob o efeito daquela cachoeira de pensamentos que insistiam em chegar, tão intrometidos quanto o viver. A menina fitou um quadro pendurado na parede, seu favorito. Mas, favorito por quê? Era apenas uma imagem inanimada de seu cantor preferido.

Suas músicas eram incríveis, mas ele, David Bowie, nem estava mais nesse plano. “Se ele já morreu, por que eu deveria gostar tanto desse quadro? Talvez eu devesse substituí-lo ou não”. Esse pensamento foi rapidamente alterado pela passagem de uma mosca. No fim, o quadro permaneceu ali, na mesma parede, pelos muitos anos que se seguiram.

Os pensamentos da menina voltaram a se focar na vida. O que dizer de algo que se torna tão automático que, em alguns dias como este, nem se precisa esperar pelo despertador. A verdade é que aquela noite não foi de sono mesmo, então tanto fazia se o despertador tocasse ou não. Ela já sabia que teria que levantar em breve e seguir para mais um dia igual aos outros anteriores. Ainda deitada, os olhos novamente no teto, os pensamentos vagaram pelos momentos que teria que enfrentar pela frente.

Levantar às 6h da manhã (logo, logo), tomar o rotineiro banho para tentar acordar completamente, vestir um jeans comum, uma blusinha básica e calçar seu tradicional All Star. Depois, café da manhã, escovar os dentes, fones no ouvido e uma caminhada de cinco minutos até o mesmo ponto de ônibus. Ela sabia que se fechasse os olhos conseguiria ver o motorista, o mesmo de todos os dias, sorrindo e dando um feliz “bom dia”. Sempre recebia um “bom dia” não muito animado de volta. Pela primeira vez naquele dia, sacudiu a cabeça para afastar o pensamento. Às vezes, aquela felicidade matinal daquele senhor a irritava completamente. Pensou: “Talvez seja inveja por ele ter uma mesma rotina, ter que lidar com algumas pessoas chatas, mau humoradas e sem educação e, ainda assim, estar sempre com aquele sorriso no rosto”.

Sorrir sem motivos realmente justificáveis era quase que impossível para ela. Os poucos amigos a chamavam de antissocial e, às vezes, diziam que ela parecia uma velha solitária dentro do corpo de uma jovem. Ela sabia que os comentários vinham carregados com um tom de brincadeira, mas sabia também que eles tinham uma certa razão.

Ali, naquele momento, pensou em todas as vezes que recusou convites para o cinema, para o teatro, para o shopping, para shows, parques, praças, viagens…. Pensou que sua vida estava resumida a uma rotina e que não conseguia, por mais que tentasse, sair dela. Quando não estava presa em rotinas, estava presa em seu quarto, em sua cabeça. Sempre pensando, sempre tendo devaneios, sonhando de olhos abertos. Naquele momento, teve a certeza de que em algum momento os amigos iriam parar de convidá-la para programas e ela se veria completamente sozinha, presa em si mesma e em sua rotina que tanto odiava, mas que não conseguia se libertar. De repente, a música “Life on Mars?” tocou, a arrancando de maneira brusca daquele mundinho particular que ficava dentro de sua própria cabeça. Ela sabia que era hora de se levantar!

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