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[Crônica no ônibus] – No divã

por Elis Rouse
5 minutos de leitura

 

Segundo pesquisa de uma universidade qualquer do exterior, o ônibus é o maior divã que existe. A maior reunião de psicólogos do mundo. O maior microfone aberto para reclamões também. Ok! Que com os avanços tecnológicos, a globalização e o whatsapp, as pessoas estão cada vez mais solitárias e o contato entre humanos se torna algo extraordinário, mágico. Só assim para justificar o senhor que está se espremendo ao meu lado na sardinha que pegamos na avenida Cristiano Machado rumo ao Centro de BH.

_ Um absurdo! Nem amanheceu direito e esse ônibus já tá desse jeito.

_ É _ respondo sem dar muita brecha porque sei que quaisquer duas palavras que disser ele vai se tornar meu melhor amigo.

_ A gente paga caro! Com R$4,05 dá comprar uma dúzia de ovo, dois kg de batata, um pacote de pão, duas doses de cachaça…

_ É _ Digo, mas gostaria de dizer que ovo, batata, pão e cachaça não vão levá-lo ao trabalho, e que pelo visto ele precisa trabalhar para consequentemente se alimentar, mas fico calada.

_ Uma vergonha esse país! Os que estão lá em cima só roubando da gente. _ E aponta para o teto do ônibus.

Aperto a bolsa no meu peito já imaginando que a qualquer momento os moleques que estão surfando no ônibus já desçam aterrorizando, mas ele continua.

_E é qualquer partido. _ Alívio, o foco agora é política.

_ Qualquer um que a gente colocar lá, vai nos passar a perna. _ Continua ele revoltado.

_ Não tá fácil _ Respondo, mas perco a oportunidade de dar um sermão sobre consciência do voto.

_ Ninguém resolve o “problema” desse ônibus. Qualquer hora que você pega, ele tá cheio.

_ Complicado._ Digo concordando

_ Motorista lerdo, só pega sinal fechado e para em todos os pontos. _ A vontade era de dizer, quem deveria parar era o senhor, mas apenas balanço a cabeça.

_ Não tá vendo que o balaio já está lotado e continua parando. E esse povo que não vê que já tá cheio e continua entrando.

_ Pois é _ respondo me espremendo ainda mais entre ele e o ferro da porta.

_ Essas “avenida” comprida cheia de sinal também não ajuda. Pra quê tanto sinal, bastava um por quilômetro.

Penso em como o pedestre vai atravessar? E como os outros carros vão entrar nas ruas adjacentes? E o que o senhor tem com isso? Se tá achando ruim desce do ônibus e vai a pé, lógico que não digo nada, mas ele continua persistente.

_Tá vendo menina, esse tanto de loja de carro e não tem nenhuma Kombi. Aquilo que era carro de verdade. Só esses carro brilhoso que não vai longe. Essas picape de nome difícil que ninguém compra.

Passávamos em frente a uma concessionária da Chevrolet. Ah! Eu com um carro brilhoso desse, não precisaria estar aqui espremida, ouvindo as lamuriações desse senhor que acabou de entrar no campo pessoal.

_ Minha marmita tá toda revirada com os solavanco que esse motorista “tá” dando. Minha mulher numa má vontade separou tudo pra mim e agora vai virar mexido.

Balanço a cabeça, mas minha vontade era de rir na cara dele e dizer que se ele se preocupasse menos com a viagem e tomasse conta da marmita, seria mais feliz.

_ Como é que uma moça decente pega um ônibus desse. Não tem condição! Cheio de homem mal intencionado. _ Diz ele observando uma  moça de vestido descer do ônibus.

Engulo seco porque cada vez que a porta se abre minha vontade é de empurrar ele lá fora. Pegamos o ônibus do mesmo jeito que ele pega, porque não temos opção. Graças a Deus que já é possível avistar a Praça Sete. Assim que descer vou me esquecer dessa pessoa mal-humorada que com certeza vai seguir o dia reclamando de qualquer sopro da vida. O ônibus pára no ponto e desço rapidamente a escada, aliviada, mas ainda escuto uma última reclamação.

_ Menina emburrada essa, sem assunto,não tem uma opinião pra dá. Aposto que não sabe viver a vida.

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