Cadê Você, Bernadette?
Fugindo às tradicionais adaptações de literatura motivacional, o longa-metragem Cadê você, Bernadette retrata uma mãe em busca de si mesma
Bernadette Fox é uma mulher com múltiplas camadas. Para o marido Elgin (Billy Crudup), estrela nerd da Microsoft, ela está beirando ao colapso mental; sua filha Bee (Emma Nelson), uma adolescente atipicamente sensata a considera a melhor mãe do mundo; as mães da escola em que Bee frequenta veem em Bernadette a razão de vários incômodos sofridos e especialistas em construção e design consideram-na uma verdadeira “Einstein” da arquitetura moderna sustentável.
Mais uma vez o título é pensado de maneira precisa à obra gerando duplicidade de sentido, pois Bernadette não só desaparece de casa como em si mesma. O primeiro ato revela uma iminente crise de nervos de uma arquiteta brilhante que abdicou da profissão pela maternidade quando ainda estava em ascensão sofrendo por não se realizar apenas com o papel de mãe.
O tema é sensível ao abordar a realidade de inúmeras mulheres contemporâneas que, pressionadas ou não a exercerem unicamente a profissão de mães desistem de suas carreiras, mesmo que por um período. E, com o passar do tempo, o que seria uma fase se torna um estado permanente podendo causar angústias, frustrações, medo de não conseguirem se reinserir no mercado de trabalho e até mesmo culpa por não se sentirem completamente felizes com a decisão.
Se por um lado o potencial de Bernadette é expressado em cada canto de sua residência – projetada por ela e que faz o telespectador definitivamente comprar sua genialidade, por outro seu frequente desajuste quanto às responsabilidades sociais reitera a frustração reprimida de quem não encontra o sentido da vida.
Em um diálogo com sua herdeira dentro do carro, a protagonista aproveita a famosa chuva da cidade de Seattle (EUA) e, ao som de ‘Time After Time’, confessa: “Eu gostaria que você soubesse como é difícil para mim às vezes. A banalidade da vida. Mas guardo o direito de ficar emocionada com as coisas que ninguém percebe. Seja como for”.
O longa-metragem é dirigido por Richard Linklater (Boyhood: da infância à juventude e Escola de Rock) que, ao lado de Holly Gent e Vincent Palmo Jr., assina o roteiro baseado no segundo livro de Maria Semple, roteirista de séries como Mad About You e Arrested Development. Linklater é assertivo ao humanizar a protagonista e os demais personagens envoltos em um cenário simples e cativante. Os enquadramentos fechados e explorados a partir da luz natural contribuem para essa construção.
Assim como a personagem de Blue Jasmine, Blanchett incorpora uma mulher um tanto blasé em Cadê Você, Bernadette?. O telespectador poderia considerá-la antipática, principalmente em função das suas indiferenças com o cotidiano. Mas, o talento camaleônico de Cate, perceptível em Manifesto, Carol e O Aviador, por exemplo, é tamanho que Bernadette é sedutora e a empatia por ela é imediata. Inclusive, o longa é uma ótima oportunidade para se estudar a composição de um personagem em uma jornada do herói às avessas.
Nos atos subsequentes e bem delimitados, o telespectador é apresentado a um cenário espetacular, a Antártida, pois foi o pedido de formatura da filha de Bernadette. Cabe destacar, ainda, a performance da estreante Emma Nelson no papel de Bee conseguindo desenvolver uma poderosa sintonia e amizade com os pais e, em especial, com a mãe – quem ela considera ser sua melhor amiga.
Sem mais spoilers, Cadê Você, Bernadette? é uma história divertida, leve e indispensável para refletirmos sobre questões atuais que impactam inúmeras Bernadettes existentes mundo afora. Indiscutivelmente, o longa foge às frequentes adaptações de literaturas motivacionais, pois em nada é previsível ou mantém personagens superficiais embora o roteiro tenha se perdido nos dois últimos atos.
O texto é uma contribuição da jornalista mineira Jéssica Torres. Agradecemos imensamente a confiança! Contamos com novas participações.
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