Admirável Mundo Novo | Aldous Huxley
Admirável Mundo Novo é uma das histórias mais emblemáticas da literatura mundial. Mesmo após 89 anos de sua publicação, a obra aparece na lista dos mais vendidos sempre que algum fato absolutamente incoerente, impensável e fantasioso é proposto à sociedade por alguma autoridade política extremista. E convenhamos, ultimamente, temos vivido experiências que se enquadram bastante nessa descrição.
Quanto mais o tempo passa, mais perto estamos das principais distopias literárias. Essa realidade é muito assustadora, ao mesmo tempo que nos faz enaltecer a mente brilhante do autor, capaz de imaginar e profetizar o futuro.
Será que somos tão previsíveis assim? Ou vale aquela ideia de que a humanidade evolui para depois retroceder. Esses são alguns questionamentos que a leitura de distopias provoca no leitor.
Assim como O Conto da Aia e Fahrenheit 451, Admirável Mundo Novo é uma distopia que se aproxima da realidade com o passar do tempo.
Como é esse admirável mundo novo?
Comunidade, Identidade, Estabilidade é o lema do Estado Mundial, que estabeleceu a Era Ford e dividiu o mundo (como sempre).
A história começa com o tour de um diretor por um edifício de trinta e quatro andares. O que chama atenção é a primeira sala em que o grupo passa: Sala de Fecundação. Durante essa visita, somos apresentados a alguns termos peculiares: “Diretor de Incubação e Condicionamento”; “Processo Bokanovsky”; “Delta Menos”; “Depósito de Órgãos”; “Sala de Predestinação Social”; “Depósito de embriões” e outros termos criados para denominar o processo industrial e científico, no melhor estilo “linha de produção” de humanos.
“Homens e mulheres padronizados, em grupos uniformes”. (pág.26)
No mundo novo, os indivíduos são criados e programados para cumprir sua função pré-determinada na comunidade. É o destino social a que todos estão sujeitos, mas, aqui, não é a vida que os impõe. Eles já nascem assim e amam ser assim, sem questionamentos ou dúvidas. Para isso, modificações genéticas e alterações na “fórmula” são feitas para garantir o sucesso da programação.
“Quanto mais baixa é a casta _ disse o sr. Foster _ menos oxigênio se dá”. (pág.33)
Nesse processo, não existe uma gestação e, por isso, não existem mães, pais ou família. A simples menção ao método gestacional é vista como uma abominação. Se não há família, não há casal, não há casamento e todos os ritos familiares que conhecemos. Ninguém se prende a ninguém e pecado também não há. As pessoas são programados para não matar e não roubar. O sexo é permitido e incentivado desde a infância por meio de jogos eróticos.
“_É preciso portar-se convenientemente. Afinal, cada um pertence a todos”. (pág.65)
Não há escolhas, opções, emoções e nem conflitos. Todos vivem numa realidade criada e manipulada desde bebês para serem assim e viverem assim para sempre. Ninguém envelhece porque envelhecer não faz parte do mundo novo.
Lembra do lema Comunidade, Identidade e Estabilidade? Defino assim: uma vida perfeita em comunidade, com papéis absolutamente definidos e cumpridos, sem atritos, sem identidade ou qualquer traço de personalidade, e com estabilidade garantida pelo SOMA, uma espécie de droga para fugir da realidade. Em algumas castas, o SOMA é a recompensa diária do dia de trabalho e tudo certo! Ninguém achará ruim por isso.
A morte é uma passagem sem emoção e,assim, o luto também não existe. Essa parte do luto e da morte, eu demorei um pouco para entender. As pessoas mais velhas, porém com aparência jovem, morrem e seus corpos são incinerados, gerando gases reaproveitáveis, contribuindo, mesmo após a morte, para o ciclo de produção. Ninguém chora essa morte, pelo contrário, os gases emitem luzes que fazem um verdadeiro espetáculo no céu. Uma comunidade totalmente passiva e estável, absolutamente manipulável, mas absurdamente feliz e sempre consumista. Um mundo de paz, sem violência, sem doenças, sem dramas ou decepções.
“A educação moral, que não deve nunca, em circunstância alguma, ser racional”. (pág.47)
É impossível ler Admirável Mundo Novo e, internamente, não entrar em conflito. O livro levanta algumas discussões fortes sobre o mundo ideal, e contempla a solução para alguns males que nos afligem atualmente. Principalmente no aspecto emocional, eles não sofrem, e nunca terão depressão, ansiedade e estresse, por exemplo, ou qualquer outro mal que venha os assolar. Analisando friamente, é uma sociedade segura para se viver, mas a troco de quê? Esses indivíduos em questão não tiveram escolha e jamais questionarão.
“Não se pode consumir muita coisa se se fica sentado lendo livros”. (pág.72)
O que nos leva a uma coincidência dos livros distópicos? O ataque ao conhecimento, sobretudo as artes e, claro, a literatura. Conhecimento para quê, meus amigos? Quem conhece, contesta e confronta. Então, obviamente, a literatura ausente no Mundo Novo se faz presente no mundo dos Selvagens.
O Admirável Mundo Novo não começou do zero. Começou no ano 632 depois de Ford, e aqueles que não se enquadraram a época da transição desse modelo perfeito de vida, são considerados Selvagens e vivem isolados em Malpaís, com suas crenças e a monótona vida monogâmica. Os selvagens, basicamente, representam nossa vida atual.
É quando esses dois mundos se chocam e, de repente, um Selvagem, que lê e cita Shakespeare a cada passo, ingressa no Novo Mundo é que temos a dimensão e a compreensão das intenções do autor ao escrever a distopia.
Toda essa “desordem” é provocada por Bernard Marx e Lenina Crowne. Bernard é um Alfa-Mais diferente, alguns culpam uma dose de álcool no pseudossangue quando ainda estava no bocal sendo fabricado. Entre outros acessos de rebeldia, ele se recusa a usar o SOMA, gosta de ficar sozinho e sua vida sexual é privada e não tão constante quanto as demais. Assim, ele foge do padrão, embora não faça nada de anormal. Já Lenina, é uma pneumática bem programada, que cumpre sua rotina corretamente. Em um pequeno momento de lucidez, em que se diz “não muito inclinada a promiscuidade”, ela decide dar uma chance a Bernard, muito mais pelo seu status e pela possibilidade de com ele conhecer a Reserva dos Selvagens.
Os conflitos internos de Bernard, e as consequências de seus atos, terão reflexos diretos na estabilidade da direção do Mundo Novo, embora, aqui, a semelhança com os privilégios e mordomias governamentais não sejam diferentes do que já conhecemos.
Acompanhar o raciocínio e o brilhantismo do escritor Aldous Hulex não é fácil. Ele, literalmente, nos joga na história e você que lute para entender e acompanhar. É difícil, mas sensacional! Quando a leitura engrena, a vontade de voltar e reler os primeiros capítulos é inevitável, sobretudo o capítulo 3. Nele, o autor mescla vários diálogos em cenas simultâneas e lugares diferentes. É sensacional, depois que a gente entende o que está acontecendo.
É um clássico para ler, reler e indicar, enquanto ainda nos é permitido. Ao longo da leitura, por mais loucas que possam parecer as ideias, a certeza de que tudo ali seria possível de acontecer é uma constante.
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