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[Crônica no ônibus] – A gente não pode ter tudo

por Elis Rouse
4 minutos de leitura

Sexta-feira, Centro da cidade, 18h20, a vontade de ir embora já supera todos os sonhos de vida. O que ainda me mantém acordada é a preocupação constante com assaltos. Dois ônibus passam lotados. Um, o motorista nem parou, o outro até parou para alguém descer, mas não fez diferença porque foi impossível entrar. Em pé no ponto, o peso de uma semana estressante cai sobre mim. Só queria uma cadeirinha vazia pra eu poder dormir, a cadeira do canto seria o sonho do momento, é só fechar a janela (egoísmo) e dormir até o alarme de Deus avisar que falta um ponto pra descer. Mas para isso, é preciso que passe um ônibus, e que eu consiga pelo menos, entrar nele.

E ele veio, aparentemente vazio, mas neste momento eu nem me importo mais, já são 18h42, e agora a vontade de chegar em casa é maior que a vontade de ganhar na mega sena. Quando o ônibus para um enxame de abelhas humanas voa para a porta, mas eu não me importo porque quero mesmo é chegar em casa. Fui me aproximando da catraca e percebi que, mesmo com a aglomeração para entrar, algumas cadeiras no fundo estão vazias. Contei as pessoas que estavam na minha frente e algumas que ainda desciam do ônibus, meus olhos se encheram de água e a possibilidade de ir sentada me envolveu de alegria. Passei a catraca e vi que na última fileira do fundo duas cadeiras estavam vazias, mas as pessoas que entraram junto comigo não se sentaram. As mesmas pessoas que assim como eu exalavam o cansaço pelos poros. Um milagre pensei. Deus é muito bom por mandar um ônibus vazio e duas cadeiras livres para eu escolher onde sentar.

Fui desviando das pessoas ao longo do corredor, rumo ao meu prêmio final quando ouvi uma melodia vinda do fundo do ônibus. A compreensão sobre o motivo de as pessoas não quererem se sentar ali caiu sobre mim como uma pedra. Ouvi uma senhora dizer que já era a quinta vez que a música era repetida. Pra mim podia ser MC Kevinho, MC Livinho, podia ser Alok e sua eletrônica mais tocada no mundo, e ninguém sabia que ele era brasileiro. Podia ser Nego do Borel e Anitta “Você partiu meu coração” ou ainda a mais nova onda dos ônibus de BH, um gospel ao melhor estilo Anderson Freire. Não! Nada iria me fazer desistir de sentar alí. Abracei o milagre do lugar vazio e fui como quem abre o mar vermelho de gente em pé em busca da minha cadeira premiada.

Fui me aproximando e percebi a cara feia do povo que estava sentado perto, os guerreiros que resistiram bravamente a melodia que tocava. Obstinada, fui chegando mais perto, quando ouvi:

“Não é sobre chegar no topo do mundo e saber que venceu.

É sobre escalar e sentir que o caminho te fortaleceu…

A gente não pode ter tudo

Qual seria a graça do mundo se fosse assim?”

Então… Eu venci chegando ao topo. Esperei e o caminho até me fortaleceu, mesmo sem nenhum amigo comigo naquela jornada tortuosa. Mas como diz a letra da música, a gente não pode ter tudo, e ouvi Trem Bala no repeat, não dá. Voltei três casas, como nos jogos de tabuleiro, e fui em pé mesmo onde a melodia não podia me alcançar.  

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